Juntas Comerciais iniciam uso de assinatura eletrônica 'avançada': por que isso não é bom para o Brasil?

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Por Edmar Araujo
3 min de leitura
Edmar Araujo. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Juntas comerciais iniciam o uso de assinaturas eletrônicas "avançadas" instituídas pela Lei 14.063/20 como opção ao uso do certificado digital ICP-Brasil nos registros empresariais. A argumentação para essa adoção se baseia no preço e na necessidade de desonerar a rotina dos milhões de empreendedores brasileiros.

Mas, por que isso não é bom para o Brasil?

Como meio de avaliar o nível de facilidade e acessibilidade do ambiente de negócios de 190 países, o Banco Mundial mantém uma metodologia chamada Doing Business. Todos os anos essa metodologia classifica as economias, demonstrando se são mais ou menos favoráveis à abertura e atividades de empresas. No último relatório, o Brasil ocupava a nada honrosa 124ª posição no ranking Doing Business.

Entre os processos considerados relevantes pelo Banco Mundial, consta "obtain a digital certification (token) for the use of e-invoices", ou seja, a obtenção de um certificado digital (token) para e emissão de notas ficais eletrônicas. Adotar as assinaturas eletrônicas "avançadas" contraria frontalmente o indicador do mais importante banco de desenvolvimento do mundo, estabelecido como boa prática para alcançar aceitáveis níveis de facilidade quando o cidadão decide empreender.

Outro detalhe no mínimo preocupante é o reconhecimento dessas mesmas assinaturas "avançadas" por entes públicos e privados. De acordo com a Lei 14.063/20, as assinaturas eletrônicas "avançadas" são aquelas produzidas por certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou com o emprego de outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Assim, qualquer documento eletrônico pode ser aceito como válido e eficaz sob o prisma probatório. Porém, é justamente pela insegurança propiciada por esses outros meios de comprovação da autoria, como a assinatura eletrônica "avançada" - que não possuem nenhuma infraestrutura pública que lhe dê suporte e confiabilidade, como o certificado ICP-Brasil possui - que a sua validade e eficácia estão condicionadas à aceitação dos signatários, não afastando a possibilidade de impugnação no Judiciário.

Bastaria que uma das partes alegasse que não reconhece a assinatura "avançada" como sendo sua. A justificativa para a existência do certificado, recorda o ex-procurador federal chefe do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e atual titular do 1º Cartório de Notas e Distribuidor de Protestos de Itapeva (SP), André Garcia, que é justamente dar segurança aos seus usuários, acaba por desaparecer, podendo ser transformada em um longo e desgastante processo judicial.

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E, quando se trata de documentos públicos, como os atos empresariais nas Juntas Comerciais, essa possibilidade trazida pelas normas que permitem assinaturas "avançadas" não deveria sequer existir. Apenas a assinatura eletrônica produzida com certificação digital ICP-Brasil independe da aceitação de quem quer que seja e tem efeitos "erga omnes", ou seja, a sua validade e eficácia vale para todos. Justamente nesse sentido é a Constituição Federal, que, no art. 19, inc. II, veda à União, aos Estados e aos Municípios recusar fé aos documentos públicos. Logo, como aceitar, pela junta comercial - que é um órgão pertencente aos estados membros - um documento que não possui fé pública, vez que dependente do aceite da contraparte? A inconstitucionalidade de tal permissivo ressalta aos olhos.

A primeira e talvez grande impropriedade desta empreitada é apostar numa solução mais barata (a assinatura eletrônica "avançada" é grátis para o empresário) e ao mesmo tempo mais frágil com a alegação de que o certificado digital é caro.

O certificado digital não é caro.

Ele custa, em média, R$ 12,50 por mês e pode produzir infinitas assinaturas digitais. O certificado digital ICP-Brasil é menos oneroso do que quaisquer serviços de streaming, telefonia, internet, TV a Cabo, assinaturas de jornais e cartórios, por exemplo.

Mas, se o empresário não vai pagar pela assinatura eletrônica "avançada", quem será o patrocinador desta infraestrutura milionária? Sim, quem vai pagar para o empresário ter uma assinatura eletrônica "avançada" é a população brasileira. Os recursos para tal são aqueles oriundos dos impostos arrecadados, nada além.

O Governo Federal, dito liberal, acena para a estatização do mercado de assinaturas eletrônicas. A solução implementada pelo Ministério da Economia para a abertura de empresas em meio digital não garante a autoria da assinatura eletrônica, coloca o cidadão comum, já extremamente exposto e desamparado, à mercê de cybercriminosos que utilizarão seus dados para abrir empresas e potencializa as possibilidades de fraudes, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica entre outras ameaças virtuais.

Isso não é bom para o Brasil.

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*Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista, especialista em Leitura e Produção de Textos. Membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil

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