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Opinião|O Brasil desértico

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Sem petróleo consegue-se viver. Sem água, não se sobrevive. A água é essencial para qualquer espécie de vida. E o Brasil, que se vangloria de possuir formidável estoque de água doce, está treinando para se tornar um deserto.

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Marcos Pivetta e Renata Fontanetto escreveram a reportagem de capa da Revista “Pesquisa” da FAPESP veiculada em abril deste 2024: “O Brasil que seca”. Anunciam que se registrou no país uma área com clima de deserto. Está no vale submédio do rio São Francisco, no centro-norte da Bahia, divisa com Pernambuco. Sua área equivale a quatro vezes a cidade de São Paulo.

Isso corresponde à constatação de que a maior parte do território brasileiro, excetuada a região sul e fragmentos litorâneos do Sudeste, está ficando menos úmida. E não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. A tendência dominante indica que, em todo o globo, os lugares secos estão se tornando ainda mais secos e os úmidos menos úmidos. Ninguém ignora que isso acontece também com a região Amazônica, vítima de progressivo desmatamento e com estiagens cada vez mais prolongadas.

O aquecimento global é uma realidade incontestável. Até os negacionistas não conseguem afirmar que não sentiram as ondas de calor que fizeram de 2023 o ano mais quente em 125 mil outros anteriores. Para o engenheiro de recursos hídricos Javier Tomasella, do Inpe, “a evapotranspiração se intensifica porque a temperatura está subindo no país em razão do aquecimento global”.

Sinais que deveriam preocupar todos os brasileiros já foram detectados pela ciência. Surgiram zonas subúmidas secas, a partir de 1990, em dois pontos do território nacional em que inexistia esse tipo de clima: no oeste do Mato Grosso do Sul, em pleno Pantanal, a maior planície alagada do planeta, e no norte do Rio de Janeiro, no Sudeste.

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São Paulo, que acabou com seus rios, canalizando-os e convertendo-os em condutos de imundície, fruto da mais absoluta ausência de responsabilidade ambiental e de educação básica, já cometera o erro histórico de sepultar seus córregos para asfaltar o solo, em favor do automóvel. Com isso, a impermeabilização impede que haja absorção das chuvas e o flagelo de inundações e alagamentos apavorou a capital durante décadas.

Hoje, a população da capital depende em boa parte das represas Guarapiranga e Billings. Esta, segundo a maior parte dos especialistas, já está praticamente perdida. A Guarapiranga é sustentada por nascentes do extremo sul da cidade. E elas também estão desaparecendo, resultado da indiscriminada ocupação de áreas insuscetíveis de destinação habitacional, pois constituem mananciais. Sem estes, não haverá água para beber. Haverá uma catástrofe sem tamanho.

O grave problema é nacional. Em virtude da destruição crescente da cobertura vegetal amazônica, o cerrado se tornou significativamente mais seco nas últimas três décadas. Já se verifica redução de 50% no volume da precipitação média acumulada e no número de dias com chuva. Também diminui a área periodicamente alagada no Pantanal, com redução galopante do pulso das águas que significam a vida daquela região.

Para piorar, a seca proporciona incêndios que acabam com a flora e fauna de uma região cujo nome logo deverá mudar. Não haverá sentido em se chamar uma gleba árida de “Pantanal”.

A perda hídrica é um pesadelo e o Brasil nada faz para reflorestar os espaços abandonados pela pecuária, que poderiam ser inseridos num grande projeto de replantio, já que a cobertura vegetal trás, como subproduto, um saudável regime de chuvas.

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A inércia e a passividade fazem com que o fantasma da savanização da Amazônia esteja cada vez mais próximo. As consequências seriam devastadoras. Haveria uma redução de 44% na chuva anual e um aumento de 69% na duração da estação seca na Amazônia. Esta, fornecedora de umidade para a América do Sul, deixaria de sê-lo. Para tristeza dos que se preocupam, e – infelizmente – ainda são poucos, o Brasil está secando e as próximas gerações, se vierem a existir, serão bastante severas ao julgar a malévola atuação das nossas.

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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