2024 já é considerado um dos anos mais secos do período recente no Brasil. Há uma estiagem recorde na Amazônia, o Pantanal perdeu mais de 60% de sua superfície média de água e vem passando por queimadas que se equiparam às de 2020, em termos de extensão. A população do Estado de São Paulo, no entanto, não estava consciente da gravidade do problema até a semana passada, quando a fuligem das queimadas no Norte e no Centro-Oeste incorporou-se ao ar da maior parte das cidades do estado.
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Somada a essa crise ambiental que vem se desenrolando há meses, o interior de SP passou a sofrer com incêndios extensos, que transformaram a paisagem de cidades como Ribeirão Preto, Araraquara e Campinas, dentre outras, em cenários distópicos. Há imagens que indicam que a origem dessas queimadas é criminosa e que a maioria delas iniciou-se em propriedades privadas. Aos órgãos ambientais, assim como ao Ministério Público, cabe uma investigação profunda para determinar os culpados e aplicar-lhes o rigor da legislação existente.
O ano de 2024, no entanto, não é atípico, apesar da intensidade dos eventos. Há décadas, se não há séculos, as queimadas são associadas a práticas predatórias de produtores rurais. Em 1818, os naturalistas Martius e Spix, em suas viagens pelo interior do Brasil, já registravam, com bastante espanto, a utilização de incêndios para o preparo da terra. Com as mudanças climáticas, que têm tornado o clima continental brasileiro mais seco, o impacto do emprego do fogo aumentou e, pelo cruzamento dos dados de focos de incêndio e desmatamento, nota-se que tem havido uma mudança no método de destruição da floresta.
Desde 2022, observa-se uma redução acentuada do desmatamento na Amazônia e, em contrapartida, um aumento das queimadas. Desmatar é oneroso, e há um esforço do Governo Federal em aplicar mecanismos de fiscalização e controle. Apesar de a floresta amazônica não ser naturalmente suscetível à propagação de incêndios, o aumento da duração e da recorrência do período seco têm aumentado seu potencial de degradação. Se a tendência observada nos últimos anos se confirmar, o fogo vem sendo utilizado com frequência cada vez maior para preparar áreas florestadas para o desmate, substituindo a mecanização de tratores e motosserras, num primeiro momento.
Ainda que o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas, na última década, tenham, em sua maioria, flexibilizado a legislação ambiental, há esforços por parte de alguns deputados e senadores para tornar o arcabouço legal mais robusto para essa nova realidade. O Projeto de Lei PL 5312 de 2020, por exemplo, proíbe, pelo prazo de 30 anos, a mudança do uso e ocupação do solo em áreas que tenham sido afetadas pelo uso irregular do fogo ou por incêndios, permitindo que áreas naturais possam ser recompostas sem que haja risco de desmatamento posterior dentro desse período moratório.
Infelizmente, o projeto de lei encontra-se arquivado. O PL 11276/2018, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e que tem por objetivo prevenir a ocorrência e reduzir os impactos dos incêndios florestais, foi recentemente aprovado e transformado na Lei nº 14.944 de 31 de julho de 2024. Há, também, o PL 11276/2018, que dispõe sobre a profissão de Engenheiro de Segurança Contra Incêndios.
Soluções existem e devem ser implementadas com urgência. Como em tudo que envolve a questão ambiental, no entanto, a parte técnica não é limitante. Hoje, o fluxo de trabalho não é maior por falta de vontade política. Devemos, mais do que nunca, exigir a criação de um futuro possível antes que todo um país arda em chamas.
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