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Opinião|O Brasil precisa ser uma Federação

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Embora formalmente chamado República Federativa do Brasil, o nosso país ainda padece de excessiva centralização. Razões históricas explicam a feição unitária da nação, que evidencia uma exagerada atração centrípeta, tornando a União todo-poderosa e os entes subnacionais padecendo anemia.

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Essa característica foi reforçada durante muito tempo pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, devido à orientação conservadora de integrantes impregnados de formação civilista. Sob essa ótica, enfatizou-se o papel do governo central, em detrimento de Estados-membros que sequer conseguiram preservar resíduos de competência para atender às suas necessidades. A situação não melhorou com a Constituição de 1988, que incluiu o Município como entidade federativa, mas de certa forma o emasculou, pois a orientação jurisprudencial da Suprema Corte contaminou os Tribunais de Justiça. Nestes, os municípios quase nada podem. A imensa maioria das leis municipais é fulminada pelo vício da inconstitucionalidade, sob confortável justificativa da simetria. Ou seja: aquilo que é tratado na Constituição da República tem de ser respeitado em todos os níveis. Com isso, sufoca-se a iniciativa municipal, que não consegue implementar políticas públicas adequadas à sua realidade.

Estas reflexões vêm à luz depois de examinar a Dissertação de Mestrado de Márcio Antonio Boscaro Filho, intitulada “O Federalismo Brasileiro e a pandemia de Covid-19: estudos a respeito do surgimento da forma de organização federal de Estado, seu desenvolvimento histórico no Brasil e a atuação dos entes federados no contexto da emergência sanitária à luz da Constituição Federal de 1988 e da jurisprudência do STF a respeito do assunto”. Sob a orientação do Professor Alexandre de Moraes, o hoje Mestre em Direito Constitucional pela USP defendeu a sua obra perante banca integrada pela professora Ana Elisa Bechara, professora Luciana Temer e este escriba, obtendo aprovação com distinção.

Importante contribuição do Mestre para refletir sobre a mudança de orientação do STF, que a partir de 2015, inclinou a jurisprudência para o reconhecimento de que o Brasil deve realmente vivenciar o Federalismo e deixar a velha carcaça do Estado Unitário, para permitir uma revitalização do direito e da política. Se é no município que as pessoas nascem, crescem e morrem, não é razoável permitir que a União, tentacular e perdulária, sempre longe das aspirações populares, seja a única detentora das competências, notadamente a legislativa. Já houve tempo em que o constitucionalismo pátrio contemplava o “peculiar interesse” das cidades, o que incrementa a criatividade para inovar e para enfrentar as bruscas mudanças impostas à convivência, inclusive mercê da 5a Revolução Industrial.

Houve promissora mudança de paradigma no julgamento da ADI4060/2015, quando a Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade de lei de Santa Catarina que fixava o número máximo de alunos em sala de aula. Isso deveria sinalizar aos Tribunais Estaduais que o município, entidade federativa, também mereceria maior autonomia. Quando o STF constata uma visão inflacionada das competências da União, ele abre espaço para que novas searas sejam trilhadas pelos entes subnacionais. É preciso prestigiar as iniciativas locais e regionais.

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Foi notável a atuação do Supremo ao evidenciar que Estados e Municípios poderiam e deveriam tratar à sua maneira a epidemia da Covid-19. Deve-se prosseguir nessa linha e, assim como constou do voto do Ministro Alexandre de Moraes na ADI 4173, consolidar a orientação de que “o Federalismo tem exatamente essa finalidade: limitar o poder de um único ente”.

Embora nossa Federação tenha nascido às avessas da norte-americana, onde as treze Colônias eram verdadeiras nações, impõe-se hoje devolver autonomia às entidades subnacionais e enxugar a União, que é a insaciável sugadora de todos os recursos, para que Estados-membros e Municípios cumpram as suas obrigações. Muito mais próximas à cidadania, muito mais atentas às suas carências e prontas a ouvir os seus reclamos.

O mínimo à União, o máximo aos municípios, a média aos Estados-membros. O Brasil se tornaria melhor em pouco tempo de nova cultura federalista.

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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