Em 2024, os eleitores de todo o País foram às urnas para escolher seus representantes, disputando-se os cargos de prefeito e prefeita, bem como as cadeiras das casas legislativas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa foi a maior eleição municipal já realizada no Brasil, mobilizando mais de 155 milhões de eleitores em 5.569 municípios. Contudo, a grandiosidade do pleito trouxe à tona desafios estruturais e éticos que questionam a real eficácia da condução do processo eleitoral no País.
A Justiça Eleitoral brasileira, frequentemente apontada como pilar da democracia, assumiu a responsabilidade de não apenas organizar as eleições, mas também de enfrentar a crescente ameaça representada pela desinformação. Com o apoio do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), foram firmados acordos com gigantes da tecnologia, como TikTok, LinkedIn, Facebook, WhatsApp, Instagram, Google, Kwai e Telegram.
Apesar dos esforços, a questão persiste: essas iniciativas foram realmente eficazes no sentido de garantir um processo eleitoral focado no debate de propostas políticas, ou acabaram servindo mais como medidas paliativas, incapazes de conter os efeitos nocivos da manipulação informacional?
No estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, a eleição para a prefeitura da capital revelou a fragilidade de um sistema que busca equilibrar liberdade de expressão e combate à desinformação. A disputa foi marcada por números apertados e tensões políticas sem precedentes. Ricardo Nunes (MDB) liderou o primeiro turno com 29,48% dos votos válidos, seguido de perto por Guilherme Boulos (PSOL), com 29,07%, e Pablo Marçal (PRTB), com 28,14%. A diferença entre o segundo e o terceiro colocado foi de apenas 56.880 votos, destacando o quão acirrada foi a disputa e amplificando os impactos das estratégias de campanha.
Além dos números, as táticas empregadas pelos candidatos em São Paulo colocaram a Justiça Eleitoral em uma posição delicada. Ainda que essa tenha como diretriz a mínima intervenção no debate político, episódios envolvendo ofensas pessoais e desinformação obrigaram ações incisivas. No limite entre liberdade de expressão e abuso de direitos, a Justiça Eleitoral teve de agir para conter narrativas prejudiciais à integridade do processo.
O protagonismo da propaganda online nas campanhas reforçou o paradoxo das redes sociais: se, por um lado, democratizam o acesso à informação e ampliam o alcance do debate político, por outro, são ferramentas poderosas para a disseminação de notícias falsas e tiradas de contexto. No Brasil, terceiro maior consumidor de redes sociais no mundo, essa realidade coloca um desafio ainda maior para a Justiça Eleitoral, que precisa agir de forma ágil para minimizar danos aos candidatos e ao processo democrático.
Na capital paulista, dois episódios envolvendo Pablo Marçal exemplificaram a tensão entre as liberdades individuais e a necessidade de preservar a lisura do pleito. O primeiro caso destacou a estratégia do candidato de remunerar apoiadores para disseminar cortes de seus vídeos em massa, uma tática que levanta suspeitas éticas e jurídicas. No segundo episódio, às vésperas do primeiro turno, Marçal divulgou um laudo médico falso, usado para atacar seu principal adversário.
Ambos os episódios geraram intensa repercussão e colocaram a Justiça Eleitoral sob os holofotes. Apesar de sua política de intervenção mínima, foram suspensos perfis de redes sociais do candidato, justificando a medida como essencial para assegurar a igualdade de condições no pleito. No entanto, a decisão levantou questionamentos sobre os limites da atuação judicial: estaria a Justiça Eleitoral cerceando o direito de expressão de um candidato, ou protegendo o eleitorado de práticas abusivas?
Embora tenha prevalecido a preservação da integridade do processo eleitoral, o caso Marçal expôs as fragilidades de um sistema que ainda busca se adaptar à era digital. A eleição de 2024 não apenas testou a maturidade democrática do Brasil, mas também evidenciou que a Justiça Eleitoral ainda caminha em terreno incerto, enfrentando desafios que vão além das urnas, impactando diretamente a confiança dos eleitores no processo democrático.