Relatório de 77 páginas produzido pela Polícia Federal a pedido da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), que guarda as conclusões da correição extraordinária realizada no berço da Operação Lava Jato, em especial a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, elenca cinco hipóteses criminais envolvendo a tese de suposto ‘conluio’ entre o ex-juiz Sérgio Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol e a juíza Gabriela Hardt. O objetivo da aliança, segundo o documento, seria um ‘desvio’ da ordem de R$ 2,5 bilhões. O montante tinha como destino os cofres da polêmica fundação da Lava Jato, que nunca saiu do papel.
Ao descrever a principal suspeita que recai sobre os expoentes da Lava Jato, o relatório suscita o enquadramento de Moro, Deltan e Hardt em peculato.
O ministro Luís Felipe Salomão, o corregedor nacional de Justiça, decretou o afastamento de Gabriela Hardt de suas funções na Justiça Federal do Paraná, em decisão monocrática. Nesta terça, 16, por maioria, o Conselho derrubou a medida.
A PF descreve que, entre 2016 e 2019, Moro, Hardt e Deltan teriam promovido desvios ‘por meio de um conjunto de atos comissivos e omissivos’. Para ilustrar o documento distribuído a todos os conselheiros do CNJ que estão julgando a Lava Jato e seus personagens, um gráfico que exibe o ‘fluxo de eventos’ descritos na hipótese criminal.
Segundo a PF, o fluxograma traduz como Moro, Deltan e Hardt teriam agido para que valores de acordo de colaboração e leniência fossem repassados à Petrobrás, para que a estatal pagasse multa de acordo nos Estados Unidos. Parte desse dinheiro seria repatriada e direcionada a uma fundação privada.
A Polícia Federal resumiu a dinâmica com uma pesada acusação aos quadros da Lava Jato, “A ideia de combate à corrupção foi transformada em uma espécie de “cash back” para interesses privados.”
No centro da suspeita de suposto conluio para o desvio da multa da Petrobrás, a Polícia Federal sustenta que Moro, então juiz titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ‘foi o responsável por instaurar, voluntariamente, o processo sigiloso para permitir o repasse não questionado de valores’ para a Petrobrás. Moro rebate. ‘Mera ficção.’
À época, segundo o documento, os investigados já sabiam das apurações dos EUA sobre a petrolífera e tinham a ‘intenção de promover o direcionamento’ de parte da multa que seria aplicada à empresa ‘vítima’ de delitos que a Lava Jato descobriu - corrupção, lavagem de dinheiro e cartel das gigantes da construção, no período entre 2003 e 2014.
A juíza Gabriela Hardt foi citada por ter homologado, em 2019, o acordo que previa o repasse dos recursos para a fundação da Lava Jato - iniciativa que acabou barrada pelo Supremo Tribunal Federal. A imputação foi o que pesou mais para o decreto de afastamento da magistrada, ato monocrático de Salomão derrubado pelo CNJ.
Sobre a conduta de Deltan - cujas ações não são alvo do CNJ, vez que o órgão analisa exclusivamente a conduta de magistrados - a PF aponta ‘interesses bem concretos no direcionamento dos valores’ para a fundação privada.
Segundo o relatório, os objetivos da fundação da Lava Jato já eram indicativo de ‘ações com foco no protagonismo pessoal, o que favorecia a ‘projeção individual, inclusive no campo político’.
“A pessoalidade de todo esse esforço foi posteriormente concretizada pela migração do então juiz Sérgio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol para a atividade político-partidária”, assinala o relatório.
Outras hipóteses criminais e o ‘dolo’ dos agentes
A hipótese de peculato-desvio é a principal. As demais exposições versam sobre outras condutas necessárias para que a ‘destinação dos recursos e a subsequente tentativa de direcioná-los a interesses privados fosse possível’.
O documento explica que essas outras hipóteses indicam situações que podem ser analisadas separadamente, caso se desconsidere o ‘dolo específico de desviar recursos’. Em razão de falta de informações sobre a suposta intenção dos agentes envolvidos, as condutas poderiam ser enquadradas em outros tipos penais, e, por isso, são listadas separadamente no documento que norteia o julgamento da Lava Jato.
A Corregedoria mergulhou nos achados da inspeção realizada por Luís Felipe Salomão na 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba e na sede do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região - o tribunal de apelação da Lava Jato, situado em Porto Alegre. O relatório aponta situações que podem ser aprofundadas em uma eventual apuração criminal.
Segundo a PF, em alguns episódios, a apuração não identificou o ‘elemento volitivo’ que levou os envolvidos a praticarem certos atos. Ou seja, a correição não conseguiu constatar a ‘consciência’ dos investigados ‘em relação à conjunção das práticas em um fim específico - a ‘tentativa do desvio em si’.
Em cada tópico são listadas informações que poderiam corroborar a hipótese criminal e seu contexto. De outro lado, também são expostos detalhes que contrariam o guia desenhado na investigação, assim como ‘lacunas’.
A PF defende a importância de se apurar o nível de comprometimento e dolo de cada um dos investigados no ‘movimento identificado de (re)direcionamento do dinheiro entregue à Petrobras, que era destinado ao Estado brasileiro, para fins privados’.
COM A PALAVRA, GABRIELA HARDT
A juíza não se manifestou. Por ela, juízes federais divulgaram manifestos condenando a ordem do ministro Luís Felipe Salomão que a alijou das atividades - medida revogada por maioria do Conselho Nacional de Justiça.
COM A PALAVRA, O EX-JUIZ SÉRGIO MORO
Em nota divulgada nesta terça, 16, o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro, reagiu com ironia ao relatório do ministro Luís Felipe Salomão. “Mera ficção.” Ele afirma que ‘nenhum centavo foi desviado’.
O fato objetivo descrito no relatório provisório da Corregedoria do CNJ - ainda pendente de aprovação - é que foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13 Vara de Curitiba para a Petrobras, vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato, cerca de R$ 2,2 bilhões, sem que nenhum centavo tenha sido desviado. Idêntico procedimento foi adotado pelo STF à época.
O juiz Sergio Moro deixou a 13 Vara em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada para receber valores do acordo entre a Petrobras e autoridades norte-americanas e jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela. A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção.
COM A PALAVRA, DELTAN DALLAGNOL
Nas redes sociais, o ex-procurador criticou as decisões de Salomão e o relatório da Corregedoria sobre a correição no berço da Lava Jato. “Min. Salomão disse que havia “gestão caótica” e “desvios” na Lava Jato, mas após anos de apuração “acusa” a Lava Jato por conta do acordo com Petrobras feito em janeiro de 2019 que foi validado por 8 diferentes órgãos públicos como legal e legítimo. Querem reescrever a história”, escreveu.