No Dia do Trabalho, 1º de Maio, o governo federal sancionou a Lei nº 14.848/2024, que amplia a faixa de isenção da tabela progressiva mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), fruto do Projeto de Lei nº 81/2024.
Com isso, a faixa de isenção do imposto mudou para dois salários-mínimos mensais, o equivalente a R$ 2.824 (R$ 2.259,20, após a dedução do desconto simplificado de R$ 564,80).
Mas essa atualização reflete a realidade econômica e a capacidade contributiva dos brasileiros?
Passemos, então, a tecer breves comentários. Algo que angustia os cidadãos, dia após dia, é a ida ao supermercado. Com a alta dos preços dos alimentos, em razão da inflação, o salário do mês mal dá para grande parte dos indivíduos fazer a compra dos produtos que integram a cesta básica para as famílias com renda de 1 a 5 salários-mínimos. Imagine, então, para os brasileiros que sequer recebem 1 salário-mínimo!
Apesar de a pesquisa do Ipea, divulgada em 28/03/2024, identificar um processo de desinflação da economia brasileira, porque: (a) em fevereiro deste ano, a inflação acumulada em 12 meses recuou pelo quinto mês consecutivo, atingindo a taxa de 4,5%; (b) essa taxa está 1,1 ponto percentual abaixo da registrada no mesmo período de 2023; e (c) a perspectiva é otimista, pois, em 2023, o IPCA final foi de 4,62%; a realidade econômica do cotidiano não se mostra tão otimista assim.
Tanto é verdade que a inseparável e indispensável dupla da alimentação dos brasileiros (o bom e velho feijão com arroz) já sofreu aumento, só no acumulado do primeiro bimestre deste ano, de 10,32% sobre o quilo do arroz, 15,27% sobre o do feijão carioca e 11,95% sobre o quilo do feijão preto.
Os dados constrangem e alertam para a necessidade de providências imediatas. Para tanto, fazemos uma concisa reflexão, sem o intuito de exaurir as discussões sobre o tema, acerca da tributação sobre a renda, do impacto da inflação e da recente Lei nº 14.848/2024.
Com o aumento da inflação, também aumentou a dificuldade dos brasileiros em arcar com os preços dos alimentos, da educação, do lazer, de moraria, dentre outras despesas que promovam condições mínimas para preservação dos direitos fundamentais do indivíduo e das famílias (art. 6º da CF/88). Em virtude disso, o governo pode agir em duas frentes: (1) promover ações sociais; e (2) desonerar as camadas mais pobres, por meio da redução da carga tributária.
Se, por um lado, o Brasil atravessa um período de manutenção das políticas de assistencialismo; por outro, as ações responsáveis pelo aumento da arrecadação têm se intensificado. Isso porque o Ministério da Fazenda optou por elevar alíquotas e extinguir benefícios fiscais, alcançando, no primeiro trimestre de 2024, o aumento de 8,4% na arrecadação, em relação ao mesmo período de 2023. Inclusive, apenas em março, o crescimento real foi de 7,2%, atingindo a marca de melhor resultado para o mês, desde 1995.
Aparentemente, para encontrar o equilíbrio em prol das classes econômicas mais baixas, a alternativa encontrada pelo governo é a atualização da faixa de isenção do IRPF. Contudo, a mudança dos valores da tabela progressiva mensal do IRPF somente mascara o real problema do Brasil: a ausência de capacidade contributiva do indivíduo, nos termos da própria Constituição Federal de 1988.
A capacidade contributiva significa que cada contribuinte deve pagar os tributos, respeitando os seus direitos e garantias fundamentais, e inibindo que o Estado cobre tributo com efeito de confisco e comprometa o mínimo existencial.
Acrescentamos, ainda, que a capacidade contributiva é inerente ao princípio da igualdade (art. 5º da CF/88), no qual, cada um deve ser tratado de modo igual, na medida de suas desigualdades.
Sendo assim, mesmo com o aumento da faixa de isenção para a tributação sobre a renda, isso não permitirá que as despesas básicas dos brasileiros estejam garantidas, por uma suposta folga no orçamento familiar, em decorrência dessa atualização. Antes fosse, mas não é assim que funciona, na prática.
Pois o impacto da inflação em itens básicos – no arroz e no feijão, como demonstramos no início do texto – acaba por desfazer eventual benefício. Noutras palavras, o alívio no orçamento familiar, de fato, não ocorre.
Tanto é assim que, de acordo com estudo divulgado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) no início de 2024, a tabela do imposto – faixa de isenção – está em defasagem média acumulada em 150%. Pelo real reajuste da inflação, a faixa de isenção deveria equivaler ao valor aproximado de R$ 5.000,00.
Além do mais, como a mera atualização da tabela é algo pontual, não solucionará o problema da garantia do mínimo existencial digno, uma vez que atinge somente a ponta do iceberg, chamado de defasagem da renda e depreciação do mínimo existencial.
Ao não corrigir a tabela pelo índice, está sendo exigido imposto dos indivíduos sem a efetiva disponibilidade econômica. Acompanhamos essa defasagem na tabela há longos anos – por quase uma década – na verdade. Fato é que, desde 2016, não há correções na tabela.
Por sinal, convém registrarmos que a Lei em comento não corrigiu as demais faixas de tributação, muito menos as deduções permitidas pela legislação. Diante disso, é plausível falarmos que só uma minúscula parte da ponta do iceberg que foi atualizada; não a ponta como um todo.
Os problemas econômicos-sociais do Brasil são muito mais profundos e, para resolvê-los, são necessárias medidas concretas, sem panos mornos. Em suma, o Poder Executivo precisa controlar a inflação, frear o aumento da carga tributária e diminuir as contas públicas. Uma ação, sem as demais, apresenta-se apenas com viés populista e pouco eficaz, sob o ponto de vista de melhoria da condição de vida da população.
Noutros dizeres: grandes promessas foram feitas pelo atual governo em relação a uma tributação mais justa. Contudo, ela ainda não veio de modo efetivo. Portanto, por enquanto, nós, os contribuintes, pagamos a conta! E, além disso, indagamos: Quando a reforma da tributação sobre a renda ocorrerá?
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