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Opinião|Organizações criminosas endógenas

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Atualização:

Quando a população brasileira ouve o termo “Crime Organizado”, melhor denominado por “Organização Criminosa”, logo pensa nas Máfias, especialmente as italianas, embora existam muitas outras, como as russas, chinesas, mexicanas, etc. e nas Facções Criminosas que aqui no Brasil atuam, e que seguem aquele modelo mafioso, tradicional, estruturada de forma hierárquico-piramidal com clara divisão de tarefas.

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Estas mafiosas, clássicas ou tradicionais são de fato as mais famosas, as mais conhecidas, especialmente porque existem há muito mais tempo e a indústria da mídia repercute as suas atividades mundialmente com frequência. Mas foi-se o tempo em que as máfias priorizavam as atividades criminosas violentas. Assassinatos com mortes violentas causam perplexidade da população que exige providências enérgicas por parte do poder público. Então, a partir dos anos 1980, as máfias passaram a se envolver profundamente nas atividades empresariais e políticas, chegando inclusive a integrar fortemente o Estado, elegendo e indicando representantes nos três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário.

O fato é que existem formas diferentes de organizações criminosas. Crimes praticados no âmbito de empresas licitamente constituídas e crimes praticados no ambiente político também são, e devem ser considerados, conforme as características, praticados por organizações criminosas.

Podemos citar, além das mafiosas, ao menos outras três formas de organizações criminosas: 1. “Em Rede”, 2. “Empresariais” e 3. “Endógenas”.

Uma Organização Criminosa Endógena é aquela que age dentro do próprio Estado, em todas as suas esferas – federal, estaduais e municipais; envolvendo, conforme a atividade, cada um dos Poderes, executivo, legislativo e/ou judiciário. É formada essencialmente por políticos e agentes públicos de todos os escalões, envolvendo, portanto, necessariamente, crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (ex. corrupção, concussão, prevaricação etc.). Há também inúmeros relatos mundo afora de que funcionários públicos e integrantes de partidos políticos tentaram ou de fato promoveram fraudes envolvendo todo um processo eleitoral como método de, mais rapidamente, inserir seus integrantes “democraticamente” no âmbito dos poderes constituídos. Seguem-se indicações para cargos em comissões e assim o Estado fica “loteado” por seus pares.

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São exemplos de casos de organizações criminosas Endógenas conhecidos no Brasil: O caso do Mensalão, dos Sanguessugas, dos Correios, o Satiagraha, o Castelo de Areia, o Petrolão, a Máfias dos Fiscais/SP, tanto as estaduais como a Municipal na capital, as Milícias no RJ etc. É uma forma de organização criminosa denominada, na doutrina alemã de Kriminalität der Mächtigen – “Criminalidade dos Poderosos”.

Se integrantes das organizações criminosas tradicionais passam a ocupar cargos eletivos ou nomeados no Estado, elas ensaiam uma transformação para as Endógenas; mas no Brasil, isso parece acontecer de forma apenas pontual, já que os cargos públicos mais relevantes não são ocupados por eles.

Percebe-se que, no Brasil de forma geral, há de fato intenção e muitas manifestações dos órgãos públicos no sentido de se combater eficientemente as organizações criminosas tradicionais, aqui mais chamadas e conhecidas por “Facções Criminosas”. Mas, talvez por falta de capacitação, de entendimento e compreensão da sua atuação, por desconhecimento, ou até eventualmente por desinteresse, já que elas estão inseridas no próprio poder público, as organizações criminosas Endógenas não encontram resposta combativa eficiente por parte do Estado.

Todas as organizações criminosas certamente praticam delitos de lavagem de dinheiro, porque sem esse delito elas não sobrevivem; mas a recíproca não é verdadeira, ou seja, nem todos que praticam lavagem de dinheiro integram, de qualquer forma, uma organização criminosa.

Da atuação com característica permanente destas organizações criminosas Endógenas decorre um ciclo “criminal-legal”, com a subdivisão do dinheiro e do produto dos crimes, retirados, em maior percentual, do próprio Estado.

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O dinheiro criminoso acaba sendo aplicado tanto para incrementar as atividades ilícitas, como também em negócios já então considerados “lícitos”, assim entendidas aquelas empresas legalmente constituídas, - muitas, porém, alavancadas com o dinheiro sujo. Depois, com a criação e/ou incremento de empresas, através do poder advindo da formação de elevado capital, das facilidades que dele decorrem, e do exercício do poder, passa-se ao âmbito da atuação de “pressão política”, muitas vezes a partir da disseminação dissimulada na mídia de falsas ideologias que prometem bem estar, através das quais os grupos ou organizações criminosas se infiltram ou corrompem e se mantém no sistema político do País, conseguindo (re)eleger seus representantes para cargos dos Poderes Executivo e Legislativo.

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Finalmente, para degradação da sociedade, para se favorecerem, aprovam leis que amenizam, de qualquer forma, as atividades criminosas contra o Estado, descriminalizando-as ou atenuando-as. Criam leis sem, ou com pouca punição, portanto ineficazes, e os criminosos não as respeitam. Diminuem, enfim, o poder investigativo e de atuação de órgãos estatais independentes de repressão. Este ciclo gera na sociedade, em última análise e com o tempo, a alteração de consciência dos conceitos de “gravidade” de condutas, tornando, indiretamente, esta sociedade mais tolerante, sob uma justificativa “democrática”, já que as novas leis e medidas também são consequências de decisões políticas ou de todo um processo legislativo provocado por representantes do povo. A conclusão é que condutas que eram “graves” e, portanto, criminosas passam a ser mais toleradas ou menos punidas. O dinheiro roubado dos cofres públicos, que deveria servir a sociedade, acaba faltando, porque serve apenas àqueles que dele se apropriaram. Como consequência indireta a criminalidade de rua também aumenta a níveis insustentáveis e a população sofre as consequências.

É preciso entender que as organizações criminosas Endógenas são tanto ou mais perniciosas do que as tradicionais, e também precisam ser eficientemente enfrentadas, ou a sociedade perecerá em curto prazo.

Um crime bem sucedido e feliz é chamado virtude

Francis Bacon. – The Advancement of learning

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Marcelo Batlouni Mendroni
Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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