Os limites constitucionais para a tipificação do crime de terrorismo, inclusive no que se refere à observância do direito internacional, são tema de uma Nota Técnica que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, braço do Ministério Público Federal, encaminhou ao Congresso para subsidiar a análise de deputados e senadores sobre a questão. Atualmente, 20 projetos de lei tramitam no Parlamento para dispor sobre o crime de terrorismo e alterar a regulamentação já feita à matéria pela Lei 13.260, de 2016.
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Nota TécnicaAs informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação e Informação da Procuradoria.
Fundamentalmente, os projetos discutem a ampliação dos atos de terrorismo já definidos na legislação brasileira, a inclusão da figura da 'apologia ao terrorismo', assim como a exclusão da ressalva atualmente contida na lei e voltada a proteger a atuação de movimentos e manifestações sociais.
Na Nota Técnica aos parlamentares, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que, embora a Constituição de 1988 'tenha sido minimalista no direito penal, seu artigo 5.º criminaliza a conduta do terrorismo, com a exigência de que seja tratado como delito inafiançável e insuscetível de graça ou anistia'.
"A regulamentação desse comando normativo veio com a Lei 13.260/2016, que preocupou-se em trazer cláusula de salvaguarda para assegurar que movimentos sociais e manifestações com fins reivindicatórios não sejam criminalizados", aponta a Procuradoria.
De acordo com a Nota, a cautela decorre do forte impacto que leis de combate ao terrorismo podem ter sobre os direitos fundamentais e a própria democracia. "Não por acaso, vários informes das Nações Unidas sobre a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais na luta contra o terrorismo recomendam que não se amplie o conceito de terrorismo para condutas que não tenham relação com a comissão de atos de violência graves contra os cidadãos, seja por conta da pena elevada que lhe é em regra atribuída, seja pelas implicações processuais e no campo da execução da pena que essa tipificação enseja."
Para a Procuradoria dos Direitos do Cidadão a afirmação das liberdades fundamentais de expressão, manifestação, protesto, reunião e associação no contexto da luta antiterrorista é ainda mais necessária pelo impacto inibidor e silenciador que disposições vagas na lei podem ensejar.
"Daí advém a importância da cláusula da salvaguarda contida no § 2.º do artigo 2.º da Lei 13.260, segundo a qual não se aplicam as normas que configuram atos de terrorismo à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei".
O objetivo, destaca a Procuradoria, está na preservação dos direitos centrais de uma sociedade plural e democrática, 'livres da imobilização e do silenciamento pelo temor das medidas rigorosíssimas próprias da lei antiterrorismo, com a cautela de que condutas excessivas estejam sujeitas ao regime geral do direito penal'.
Projeto constitucional de acesso a direitos
A nota técnica destaca que os tratados internacionais até o momento existentes se limitam a descrever o crime de terrorismo como certos atos de violência armada ou ameaça terrorista, sem arriscar uma definição unívoca do termo.
"Na estratégia global contra o terrorismo, reafirmada recentemente pela Assembleia Geral em sua resolução 64/297, os Estados Membros das Nações Unidas reconhecem que os atos terroristas têm como objetivo a destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia", destacou o relator especial sobre a promoção e proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais na luta contra o terrorismo.
De acordo com o órgão das Nações Unidas, para o combate ao terrorismo, não é preciso qualquer flexibilização nas normas de direitos humanos - uma vez que estas, em si, já são expressão do equilíbrio entre segurança e direitos humanos.
"Também assim o compreendeu muito bem a Constituição de 1988, e a presidente da República, ao vetar dispositivos que excediam os limites constitucionais impostos à disciplina legal da matéria", ressalta a Procuradoria ao tratar da Lei 13.260/2016.
A Procuradoria destaca que a própria Constituição - ao investir fortemente na proteção das liberdades de expressão, manifestação, protesto, associação e reunião - reconhece que ela é apenas a etapa inicial na luta por direitos, e que essa prossegue permanentemente com endosso do Direito estatal.
"Em países como o Brasil, de um longo passado de privilégios e de desigualdades abissais, as garantias de reunião, associação, manifestação e protesto são absolutamente fundamentais para assegurar que movimentos sociais levem adiante a implementação do projeto constitucional."
De acordo com a Procuradoria, 'um documento que distribui fartamente direitos, propõe-se a reorganizar os espaços sociais e a reorientar as relações entre as pessoas, atento sempre ao diverso e ao plural, não é, e nem poderia ser, apenas obra de um legislador benevolente'.
Ele só foi possível porque os constituintes reconheceram a importância da participação social, e esta permitiu que direitos ignorados, histórias suprimidas e vozes sufocadas fossem publicamente discutidos e reconhecidos.
"O fundamental, em todo esse processo, é que o exercício de legislar em tema com tamanho impacto na vida coletiva se faça acompanhar de estudos técnicos, avaliações e informes, sempre abertos à consulta pública", ressalta a nota técnica aos parlamentares.