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Opinião | Pau que dá em Chico tem que dar em Francisco

Para quem prometeu em campanha acabar com o sigilo de 100 anos e afirmou que não seguiria a prática do governo antecessor, as ações estão distantes do discurso. Para que o esforço com o compromisso com a transparência deste governo seja de fato perseguido, é necessário, minimamente, maior dedicação em coerência e comunicação

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Por Camila Melo Franco Motta
Atualização:

A transparência pública é sem dúvida um dos alicerces da Constituição da República de 1988 e, além de ser um princípio jurídico, é um valor ético, combatente da cultura do segredo que sufocou (e ainda sufoca) o interesse público no Brasil, em busca de uma gestão pública mais honesta e fiscalizada.

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Certo é que quem escolhe seguir a vida pública, no exercício de alguma atividade no Governo, entende que sua vida privada ganha novos contornos e parte dessa intimidade é relativizada no seu dever profissional de prestação de contas, responsabilização, transparência e fiscalização.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei de Conflito de Interesses (LCI) e a Lei de Acesso à Informação (LAI) formam um arcabouço legal robusto no Brasil que, quando aplicadas corretamente, garantem um equilíbrio harmonioso entre proteção de dados, transparência e ética no serviço público. Esses regulamentos são indispensáveis para a administração pública moderna, especialmente no contexto da gestão de informações de agentes públicos relacionadas a conflitos de interesse e não podem ser usados de modo a corromper, esconder ou proteger interesses privados.

A Lei de Acesso à Informação - LAI (Lei n.º 12.527/2011) e a possibilidade do sigilo de 100 anos sobre informações de natureza pessoal têm sido alvo de enormes discussões desde o governo anterior e parece se manter no atual. As argumentações transitam entre o direito à privacidade e a proteção de dados pessoais e o dever da transparência. A LAI determina que o Estado tem a obrigação de não apenas fornecer meios para que qualquer pessoa solicite e obtenha informações sobre a administração pública, mas também de disponibilizar de maneira proativa, e sem necessidade de pedidos, informações de interesse geral. A LAI certamente impõe a transparência como regra e o sigilo como exceção.

Já a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei n.º 13.709/2018) é mais recente e veio com o foco de estabelecer diretrizes para o tratamento de dados pessoais com vistas a proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade. No contexto de informações de agentes públicos, a LGPD assegura que os dados pessoais sejam tratados de forma segura e responsável.

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No palco atual, há outra lei que se destaca, a Lei de Conflito de Interesses – LCI (Lei n.º 12.813/2013), que trata de situações geradas pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possam comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública.

Essa mesma lei prevê que os agentes públicos listados no art. 2º - entre eles Ministros de Estado - devem enviar anualmente à Comissão de Ética Pública (CEP) declaração com informações sobre situação patrimonial, participações em empresas, atividades econômicas ou profissionais e indicação sobre a existência de parentes no exercício de atividades que possam suscitar conflito de interesses.

O candidato Lula foi um grande crítico do abuso do uso do sigilo de 100 anos durante o governo Bolsonaro e tem repetido em sua gestão, de modo recorrente, as mesmas ações de seu antecessor.

Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo e o DataFixers.org, o Governo Lula negou acesso a mais de 1.300 pedidos de informação por meio da LAI no primeiro ano de sua gestão e, mais recentemente, impôs sigilo de 100 anos à DCI (Declaração de Conflito de Interesses) do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já esgotadas as instâncias administrativas para a avaliação do caso. O argumento basicamente é que os dados pessoais presentes no documento são de acesso restrito por se referirem à vida privada e intimidade do titular.

Para quem prometeu em campanha acabar com o sigilo de 100 anos e afirmou que não seguiria a prática do governo antecessor, as ações estão distantes do discurso. Para que o esforço com o compromisso com a transparência deste Governo seja de fato perseguido, é necessário, minimamente, maior dedicação em coerência e comunicação.

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Declarações de conflito de interesse pelos agentes públicos têm papel crucial de controle social e fiscalização, além de fortalecer a democracia ao permitir o uso da transparência como mitigação de riscos de oportunidades de corrupção, uma vez que os atos e potenciais conflitos dos agentes políticos serão monitorados e checados, permitindo a construção de uma administração pública íntegra e confiável.

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No caso, o tarjamento das informações pessoais que devam ser protegidas na Declaração de Conflito de Interesses do ministro de Minas e Energia manteria a privacidade ao que se justifica e eliminaria a possibilidade de que se alegue proteção a dados pessoais como motivo para manter em sigilo integralmente o importante documento.

A integração e aplicação conjunta e correta da LGPD, LCI e LAI no contexto das informações de agentes políticos promovem uma governança pública que, alinhada aos princípios de ética e transparência, reforça a confiança da sociedade nas instituições. Esta abordagem integrada não apenas previne abusos e privilégios indevidos, mas também protege os dados pessoais, assegurando que a luz da transparência ilumine a integridade e a responsabilidade na gestão pública. Assim, pavimenta-se o caminho para um cenário democrático onde a confiança e a participação cidadã se entrelaçam para fortalecer a democracia brasileira. Já dizia Louis Brandeis, ex-juiz da Suprema Corte norte-americana: “a luz do sol é o melhor desinfetante”.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Camila Melo Franco Motta
Advogada, pós-graduada em Direito Público, com MBA em Negócios Internacionais pela FGV, especialista em Proteção de Dados, Investigação Corporativa e ESG pela LEC. Head do Núcleo de Compliance do escritório Geraldo Néry Lopes Advogados. Presidente da Comissão de Compliance da OAB/MG 2022/2024. Conselheira no Conselho de Transparência e Combate à Corrupção do Estado de Minas Gerais. Foto: Inac/Divulgação
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