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Por mais mulheres no STF

Por Daniela Lustoza e Eridson Medeiros
Atualização:
Daniela Lustoza e Eridson Medeiros. Foto: Arquivo pessoal

Na tarde do dia 8 de março de 2023, quarta-feira, durante o julgamento do HC 208240, que trata de perfilamento racial, ao cumprimentar, pela data simbólica, as ministras integrantes do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia e Rosa Weber, e a Ministra que já o integrou, Ellen Gracie, o Ministro relator, Edson Fachin, pediu licença para cumprimentar uma quarta ministra, que "quem sabe um lugar do futuro colocará nesse plenário, uma mulher negra".

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O STF somente conta com 3 ministras em sua história, apesar dos seus 132 anos de instalação, bem como apenas 3 ministros negros, Pedro Augusto Carneiro Lessa, Hermenegildo Rodrigues de Barros e Joaquim Barbosa, este tendo sido indicado para compor o tribunal há 20 anos. Quantos anos se passarão para que esse futuro coloque uma ministra negra no STF?

Em 1996, o Ministro Celso de Melo[1] afirmou a necessidade de o STF se tornar acessível, por uma questão de direito, às mulheres, apesar da resistência interna da Corte naquele momento. Foram quatro anos para que a primeira mulher, Ellen Gracie Northfleet, tomasse posse como ministra do Supremo Tribunal Federal, em 14 de dezembro de 2000. Em 2006, passou a integrara a Corte a ministra Carmem Lúcia. A atual presidente do STF, Rosa Weber, ingressou em 2011. Há 13 anos, portanto, nenhuma mulher é nomeada para integrar a mais alta corte de justiça do país.

Grada Kilomba[2] nos diz que ouvir é um ato de autorização em direção à/ao falante. As vozes por mais mulheres no STF já se expressam. Instituições, coletivos, estudiosos/as[3] iniciaram movimentos em defesa de mais mulheres juristas no STF e, dentre as associações de magistrados e magistradas que possuem destaque no cenário nacional, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, ANAMATRA, por seu coletivo ANAMATRA Mulheres, se posicionou publicamente sobre o tema, defendendo que mais mulheres juristas precisam integrar a Suprema Corte Constitucional do país, especialmente uma negra e uma trabalhista, para as vagas disponíveis nesse ano de 2023.

A ANAMATRA Mulheres surgiu a partir da tese proposta pelos subscritores desse artigo e aprovada pela Assembleia Geral do 19º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (CONAMAT), em maio de 2018[4], tendo como um dos estímulos inspiradores para a elaboração da proposta a já existente Comissão de Acompanhamento do Trabalho da Mulher no Poder Judiciário da AJUFE[5], posteriormente denominada AJUFE Mulheres, com juízas federais que estudavam e se mobilizavam para debater, coletivamente. questões relacionadas às magistradas. A AMB também já tinha a sua Secretaria de Gênero, depois denominada AMB Mulheres, além do que, a ambiência da AGENDA 2030 possibilitava o avanço dessa agenda no cenário associativo. Após aprovação na assembleia geral do CONAMAT, a comissão da ANAMATRA passou a existir, inicialmente de forma provisória e, depois, permanentemente.[6]

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Mesmo tendo sido constituída inspirada nas comissões já existentes na AJUFE e AMB, ou seja, posteriormente, percebe-se que, nesse momento histórico importante, quando se debate a maior democratização do STF, mediante ocupação representativa de seus assentos, a Comissão ANAMATRA Mulheres protagoniza, em atuação propositiva e institucionalizada, ao defender a maior participação de mulheres na mais alta corte do país. Encontra-se, assim, prezando sua ontologia, como agente de transformação, papel político necessário para o avanço no caminho de um maior patamar civilizatório, especialmente no tema equidade de gênero e sua expressão democrática.[7]

A presidente do STF, Ministra Rosa Weber, ao relembrar, no dia 24 de fevereiro, a Conquista do Voto Feminino no Brasil, destacou os insatisfatórios índices de presença de mulheres nos espaços de poder e que esse déficit de representatividade feminina significa um déficit para a própria democracia brasileira: "não é uma busca apenas em benefício das mulheres, mas de todos, e se confunde, por isso mesmo, com o próprio fortalecimento da democracia". [8]

Acrescentou a Ministra Rosa Weber a necessidade de se reverter a disparidade histórica de representação, sendo um desafio imposto a homens, mulheres, partidos políticos, sociedade civil e as instituições de Estado - Legislativo, Executivo e Judiciário, pois isso significa "aperfeiçoar a democracia, transformando um potencial direito em direito efetivamente exercido". [9]

A lente que possibilita a perspectiva de gênero, muito evidenciada, atualmente, pelos reflexos da política de maior participação feminina no judiciário, estabelecida e estimulada pela Resolução nº 255 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não pode se restringir ao aspecto formativo da magistratura e sua atuação jurisdicional.

Há de se incorporar a perspectiva de gênero na administração da justiça, normalizando-a, assim como necessária a sua compreensão pelos agentes que integram os três poderes da República, o próprio Judiciário, o Executivo e o Legislativo, ao observarem a composição do Judiciário brasileiro, em especial, a sua Suprema Corte de Justiça, reconhecendo ser necessário que esse órgão do Judiciário, em sua composição, seja expressão do povo e da sociedade brasileira, seja expressão dos "sujeitos da diversidade"[10].

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Patricia Hill Collins nos lembra que opressão significa "qualquer situação injusta que, sistematicamente e por um longo período, um grupo nega a outro grupo o acesso aos recursos da sociedade".[11] O simples olhar para a fotografia da bancada do Supremo Tribunal Federal faz com que se reflita sobre a nitidez da opressão, na expressão de Collins, na alma do Judiciário brasileiro.

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Existem muitos/as juristas no Brasil. A utilização da lente correta, aquela que considera a perspectiva de gênero, a diversidade, o Estado Constitucional Democrático de Direito, possibilita a percepção de que o atual momento histórico demanda mais mulheres no STF. Há espaço para mais mulheres na suprema corte do país, para mulheres negras, mulheres juristas comprometidas com os valores emancipatórios e progressistas da constituição, que possam ser agentes de concretização das promessas constitucionais. Basta que se veja pelas lentes corretas e se escutem as vozes nessa direção.

[1] MELLO FILHO, José Celso de. Ministro do STF quer uma mulher na suprema corte. Entrevistador: Nelson de Sá. Folha de São Paulo, 18 nov. 1996. [830517]. Disponível em . Acesso em 17 abr.2023.

[2] KILOMBA, Grada. Memórias da plantação - episódios de racismo cotidiano. Tradução: Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019, p. 42.

[3] Há dentre outros: "Listar homens brancos para o STF é quase um insulto do campo democrático" (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/listar-homens-brancos-para-o-stf-e-quase-um-insulto-do-campo-democratico-diz-professora.shtml>); "Manifesto por juristas negras no STF" (ver https://www.geledes.org.br/manifesto-por-juristas-negras-no-supremo-tribunal-federal/>); https://www.instagram.com/juristasnegras/>; "Ministro de direitos humanos defende indicação de mulher negra para o STF: é fundamental" (); "Por que tão poucos negros e mulheres nos tribunais superiores?" (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/03/por-que-tao-poucos-negros-e-mulheres-nos-tribunais-superiores.shtml); "Presidente Lula, não precisamos de uma juíza negra no STF, precisamos de 3" (https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/opiniao/2023/04/01/supremo-raca-e-genero.htm>). Acesso em 18 abr. 2023.

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[4] Disponível em https://www.anamatra.org.br/conamat/19-edicao>. Acesso em 17 abr.2023.

[5] A Comissão de Acompanhamento do Trabalho da Mulher no Poder Judiciário da AJUFE foi instituída pela Portaria nº. 05, de 27 de fevereiro de 2017 e, posteriormente, denominada AJUFE Mulheres. Ver em https://www.ajufe.org.br/images/OficioDiretoriaAjufe.pdf>, acesso em 17 abr. 2023.

[6] Sobre a Comissão ANAMATRA Mulheres, interessante a consulta do e-book: https://www.anamatra.org.br/images/ComissaoMulheres/Documentos/e_book_Comissao_Anamatra_Mulheres_Acoes_Institucionalizadas.pdf>. Acesso em 17 abr. 2023.

[7] Ver "Comissão Anamatra Mulheres pede uma mulher da carreira da magistratura e uma negra para o STF" (https://www.instagram.com/anamatraoficial/>). Além disso, a Comissão ANAMATRA Mulheres está impulsionando a "Carta aberta por mais mulheres da carreira trabalhista e negra no Supremo Tribunal Federal", contando, em 18 de abril de 2023, com 566 assinaturas (https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/59027?fbclid=PAAaavX8rz9kVKZ0tDBaLwVWvAtVPUWWuKefjb9PD1PzAEC-MjP6lzb4hSDOE>). Acesso em 18 abr. 2023.

[8] "Ao relembrar 91 anos do voto feminino, presidente do STF diz que maior presença de mulheres nos espaços de poder fortalecerá a democracia". Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502971&ori=1>. Acesso em 16 abr. 2023.

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[9] "Ao relembrar 91 anos do voto feminino, presidente do STF diz que maior presença de mulheres nos espaços de poder fortalecerá a democracia". Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502971&ori=1>. Acesso em 16 abr. 2023.

[10] Sujeitos da diversidade é expressão utilizada por Lagarde y de los Rios para aqueles que são "diferentes", oprimidos por nacionalidade, classe etnia, língua, crenças, estado de vida, sexualidade, e coincidem em reivindicar o seu direito à diversidade, não reconhecendo a unicidade do sujeito histórico (LAGARDE Y DE LOS RIOS, Marcela. Género y feminismo: desarrollo humano y democracia. Ciudad de México: Siglo XXI Editores, 2018 - posição 44-55).

[11] COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução: Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 33.

*Daniela Lustoza, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 21ª Região (AMATRA 21). Juíza Titular da 11ª Vara do Trabalho de Natal/RN. Doutora em Direito Constitucional (UNIFOR/CE)

*Eridson Medeiros, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT 21). Professor do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN). Especialista em Processo Civil e Trabalhista pela Universidade Potiguar (UNP/RN)

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