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Opinião | Por que São Paulo não é a terra do arranha-céu?

Em resumo, São Paulo não se tornou a “terra dos arranha-céus” devido às restrições impostas por sua legislação desde 1957, que limitaram a verticalização. Com o passar dos anos, essas restrições favoreceram interesses que podem ser caracterizados como pré-capitalistas, contribuindo para um urbanismo corporativo que negligenciou a implementação de um plano habitacional sólido

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convidado
Por Nadia Somekh

O Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano (CTBUH, na sigla em inglês) – uma organização dedicada a estudar como o aumento da densidade urbana e o crescimento vertical podem contribuir para cidades mais sustentáveis e saudáveis – classificou São Paulo em 71º lugar no ranking global de verticalização. A informação foi destacada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 22 de setembro de 2024, em um contexto relevante por conta das eleições municipais. A posição de São Paulo no ranking não surpreende aqueles que conhecem os estudos sobre a evolução do crescimento vertical da cidade desde a década de 1980.

Localizado no Tatuapé, o Platina 220 é o prédio mais alto de São Paulo Foto: Felipe Rau/Estadão

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O Conselho destaca que os edifícios antigos mais altos de São Paulo surgiram no centro especialmente nas décadas de 1940 e 1960. No entanto, com a lei 5.261 de 1957, concebida pelo engenheiro Anhaia Mello, o coeficiente de aproveitamento (antes de até 9 ou dez vezes a área do terreno, chegando a dezoito no caso dos edifícios Martinelli e Zarzur) foi limitado a 4 vezes a área do terreno para prédios residenciais e 6 vezes para comerciais. Além disso, a imposição de uma cota mínima de 35 metros quadrados para os apartamentos elitizou a produção imobiliária, excluindo as “quitinetes” que anteriormente atendiam classes de menor renda. Anhaia Mello argumentava que essas moradias não eram adequadas para as famílias paulistanas, comparando-as a “pombais”.

Essa legislação, ao reduzir os coeficientes de aproveitamento e estabelecer uma cota mínima, resultou na construção de grandes apartamentos. Isso impulsionou o crescimento vertical em novos bairros de classe média e alta, cujos moradores também começaram a adquirir automóveis, produzidos pela crescente indústria automobilística no Grande ABC. Em contrapartida, a população mais pobre passou a ocupar as periferias cada vez mais distantes, em loteamentos irregulares, servidos pelos ônibus da CMTC, criada em 1946.

Mas quem realmente se beneficiou dessa legislação? Além da indústria automobilística, os proprietários de terras foram favorecidos, já que a demanda crescente elevou o preço dos terrenos, especialmente no sudoeste da cidade, onde os investimentos do Plano de Avenidas de 1930, liderado pelo engenheiro Prestes Maia (antes de ser prefeito), prepararam São Paulo para o automóvel.

A lei de zoneamento de 1972 reduziu ainda mais a possibilidade de verticalizar grande parte da cidade, limitando a construção a 2 vezes a área do terreno em 65% do território do município. Apenas 10% do espaço urbano podia atingir um coeficiente de quatro vezes, concentrado nos centros dos bairros.

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Desde então, poucas mudanças ocorreram. Em 1991, o Plano Diretor tentou associar o adensamento ao estoque de infraestrutura, mas não deu a devida atenção à rede viária. A criação do “solo criado” e do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano) permitiram a compra de mais coeficiente de aproveitamento, ampliando a possibilidade de verticalizar, embora limitada a 4 ou 6 vezes a área do terreno.

Consequentemente, São Paulo deixou de produzir edifícios icônicos como o Martinelli, o Copan e o Conjunto Nacional. As operações urbanas, estabelecidas no Plano Diretor de 2002, não atingiram plenamente o setor imobiliário em regiões como Mooca, Vila Carioca, Lapa e Brás. Já a operação Faria Lima, entre outras, direcionou recursos principalmente para ampliar o sistema viário.

Em 2014, com o novo Plano Diretor, foi estabelecido um coeficiente de aproveitamento básico universal de 1 e um coeficiente máximo de até 4, dependendo da área da cidade. A partir desse plano, as Zonas de Estruturação Urbana surgiram, incentivando o crescimento vertical nas áreas próximas aos eixos de transporte público. No entanto, a inclusão de garagens nos edifícios aprovados (ampliadas pela Câmara Municipal) não incentivou os moradores a utilizarem o transporte público, perpetuando os congestionamentos e a insustentabilidade gerada pelo uso excessivo de carros.

Em resumo, São Paulo não se tornou a “terra dos arranha-céus” devido às restrições impostas por sua legislação desde 1957, que limitaram a verticalização. Com o passar dos anos, essas restrições favoreceram interesses que podem ser caracterizados como pré-capitalistas, contribuindo para um urbanismo corporativo que negligenciou a implementação de um plano habitacional sólido. A versão mais recente desse plano, inclusive, continua arquivada na Câmara Municipal.

A principal prioridade do próximo prefeito ou prefeita de São Paulo deve ser, menos a de transformar a cidade em uma “Dubai”, e mais a de enfrentar o grande desafio das 3 milhões de moradias precárias, onde os moradores frequentemente vivem sem acesso a banheiros e enfrentam longas e insustentáveis jornadas diárias até o trabalho por conta do congestionamento crônico da cidade.

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Nadia Somekh
Arquiteta, urbanista, professora emérita da Universidade Mackenzie, autora do livro “A cidade vertical e o urbanismo modernizador” (2014) e ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo. Foto: Arquivo pessoal
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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