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Opinião | Prerrogativa de advogado é o alicerce da cidadania

A autoridade que agride a advocacia ao violar seus direitos, ainda que seja pela equivocada propagação de que o regimento de um tribunal, que é norma interna, se sobrepõe ao Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94), deve ter plena ciência de que está negligenciando a cidadania

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Por Carlos Kauffmann e Lucineia Rosa Dos Santos
Atualização:

Entre as diversas frentes que temos hoje para garantir a efetiva atividade da advocacia, um dos temas mais urgentes é o livre exercício das atividades profissionais, um tema caro que trazemos à discussão neste momento em que colocamos nossos nomes à disposição da classe na eleição da nova diretoria da OAB-SP.

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É imprescindível que as prerrogativas profissionais dos integrantes da advocacia, que são os direitos inerentes à profissão, sejam respeitadas de forma absoluta. São preceitos legalmente assegurados (Lei Federal) desde 1931 e garantem que a advocacia seja exercida em sua plenitude e livre de restrições. Advogar implica defender interesses alheios em juízo ou fora dele com absoluta independência, liberdade e responsabilidade, sem que o advogado tema alguma intimidação ou receie desagradar autoridades (especialmente magistrados), sob pena de limitar o espectro defensivo e, por consequência, prejudicar o defendido.

Historicamente, o advogado demonstrou ser a resistência que desafia a opressão. Ao longo dos nefastos 21 anos em que a ditadura militar suprimiu direitos fundamentais, calou a imprensa e acovardou o Ministério Público e o Poder Judiciário, a advocacia manteve-se unida e forte na defesa de cada cidadão violado. Advogados levantaram suas vozes e lutaram bravamente contra a repressão que se avolumava a cada dia e subjugava a dignidade humana: Sobral Pinto, na Condição de Conselheiro Federal da OAB, nominou o regime vigente à época de “ditadura” e Márcio Moreira Alves chamou o exército de torturador em 1968. Em 1978, na Conferência Nacional da OAB, em Curitiba, advogados reunidos clamaram publicamente pelo renascimento da democracia e restabelecimento de direitos individuais há muito suprimidos. Em São Paulo, a OAB dirigida por Mario Sérgio Duarte Garcia comandou o movimento “Diretas Já”, que marcou o fim da ditadura.

A atuação individual de cada advogado, naquele período, só se mostrou possível porque os direitos que asseguravam o exercício profissional, previstos em Lei Federal, eram respeitados. As prerrogativas profissionais permitiram que advogados buscassem – e conseguissem – acessar magistrados, ingressar nos fóruns, tribunais e juntas militares para consultar autos e processos, inclusive instaurados contra presos políticos. Essa coragem histórica, por sinal, essencial ao restabelecimento da democracia no Brasil, fez com que o constituinte de 1988 incluísse, na chamada Constituição Cidadã, a indispensabilidade e inviolabilidade do advogado (art. 133).

SEMPRE QUE UM MAGISTRADO DEIXA DE RECEBER UM ADVOGADO, O CIDADÃO É IMPEDIDO DE ACESSAR O JUDICIÁRIO

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As prerrogativas profissionais, alicerce da advocacia, não pertencem exclusivamente aos advogados nem podem ser confundidas com qualquer privilégio para a classe: pertencem à cidadania. Como defender alguém no âmbito criminal, por exemplo, sem pleno e prévio conhecimento das provas já produzidas? Qual ser humano confidenciará sua conduta ao advogado se não tiver a certeza de que este, por Lei, jamais revelará o sigilo daquilo que lhe foi confiado? Que meios dispõe o cidadão de ser ouvido por um magistrado se cassam a palavra de seu advogado na defesa oral? Como uma pessoa poderá obter justa e correta prestação jurisdicional em tribunais altamente assoberbados se o advogado encontra entraves que tornam o magistrado inacessível? Esses são apenas exemplos dos riscos, para toda a sociedade, de se desrespeitar prerrogativas da advocacia.

A autoridade que agride a advocacia ao violar seus direitos, ainda que seja pela equivocada propagação de que o regimento de um tribunal, que é norma interna, se sobrepõe ao Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94), deve ter plena ciência de que está negligenciando a cidadania. Já a sociedade que, por comodismo ou desconhecimento, se amolda às usuais violações destas prerrogativas, jamais poderá reclamar da supressão da democracia ou de seus direitos individuais. As prerrogativas profissionais do advogado são intransigíveis e imprescindíveis para a existência digna de todo e qualquer cidadão. Sem elas, não há Estado Democrático de Direito.

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Carlos Kauffmann
Advogado criminalista. Professor de Processo Penal da PUC-SP. Mestre em Processo Penal pela PUC-SP. Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP (2019/2021) e conselheiro seccional da OAB/SP 2010/2015 e 2019/2021). Foto: Arquivo pessoal
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