O isolamento social deve ser tratado com seriedade e o momento é o de cumprir as recomendações de médicos e cientistas, avalia o desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que colocou 40 mil servidores, 3 mil magistrados e 15 mil colaboradores da Corte paulista em trabalho remoto em meio à pandemia do novo coronavírus. O desembargador destaca que o Estado precisa ser 'duro com o cidadão que não cumpre com seus deveres e coloca em risco a sociedade', mas vê responsabilização penal como 'absoluta exceção'.
Nessa linha, Pinheiro Franco pede conscientização. "Ou seguimos o norte dado ou adoeceremos mais facilmente, simples assim. E além do mais, temos que respeitar o próximo. O que se quer, o que se deseja, é que todos tenham a responsabilidade de evitar a disseminação do vírus, que é rápida, volumosa e fácil", afirma o presidente da Corte paulista.
Em entrevista ao Estado, Pinheiro Franco abordou o volume e a rotina de trabalho do Tribunal de Justiça de São Paulo em meio à pandemia do novo coronavírus destacando a responsabilidade dos servidores e magistrados de 'ajudar a todos muito mais nesse momento crítico.
Desde o dia 16 de março, quando o trabalho remoto no TJSP foi iniciado, até esta segunda, 12, a Corte paulista produziu 1.925.776 decisões. Foram mais de 238 mil sentenças de 1º grau, 55 mil acórdãos e 6,4 mil decisões monocráticas de 2º grau.
"Se podemos prestar, nesse momento, a jurisdição de forma ampla, é porque todos estão voltados para um único objetivo: auxiliar o cidadão", destaca.
Confira os principais pontos da entrevista com o presidente da Corte paulista:
ESTADÃO: Presidente, fale de sua rotina em tempos tão graves.
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Os magistrados e servidores estão isolados, mas trabalhando seriamente. O trabalho remoto exige dedicação e comprometimento. A rotina foi alterada tão somente na desnecessidade de ir ao Tribunal. É preciso que cada um se cobre e não há campo para acomodação, mercê do volume de trabalho. Os números contam isso com vantagem. Aliás, acresceu-se ao trabalho jurisdicional, o caseiro, porque é preciso que todos colaborem em tudo.
ESTADÃO: Como o sr está fazendo para manter o ritmo de trabalho?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Por muitos anos trabalhei em casa, em segunda instância, quando não existiam prédios de gabinetes. Portanto, estou revivendo um período de minha vida profissional. É preciso, no entanto, impor um ritmo: acordar, preparar-se para o trabalho, como se fosse no Tribunal, ir para o escritório, examinar processos e decidir. As reuniões diárias com autoridades de outros Poderes do Estado, com os juízes assessores e secretários são realizadas pela via virtual. Tudo com muita regularidade.
ESTADÃO: 238 mil sentenças de primeiro grau e 55 mil acórdãos de segunda instância, além de mais de 6 mil decisões individuais. Os juízes estão trabalhando mais em tempos de coronavírus?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Os magistrados e servidores trabalham muito, seja nos tempos normais, seja nesse período crítico. Mas a economia de pelo menos duas horas no trânsito, ajuda muito no volume de trabalho e temos ainda a responsabilidade de ajudarmos a todos muito mais nesse momento crítico.
ESTADÃO: Isolamento total ou vertical?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: O isolamento parece ser a medida mais séria a ser adotada sob o âmbito do controle do vírus. E temos que seguir a orientação da OMS, do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais. O isolamento deve ser tratado com seriedade. Isolamos 40 mil servidores, 3 mil magistrados e 15 mil colaboradores. Só algumas classes, como os policiais militares e oficiais de justiça designados para medidas urgentes estão na linha de frente. E, a despeito de muita dificuldade com a aquisição de equipamentos de proteção, estamos atentos.
ESTADÃO: Muitas pessoas não estão acatando as recomendações médicas e insistem em sair na rua desnecessariamente. O governo fala em prender os que resistem. O sr é a favor dessa medida?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Vejo com preocupação. O momento é sério. E temos que cumprir as recomendações dos médicos e cientistas. São eles que nos orientam e conduzem nesse momento. Ou seguimos o norte dado ou adoeceremos mais facilmente, simples assim. E além do mais, temos que respeitar o próximo. É preciso que o Estado seja duro com o cidadão que não cumpre com seus deveres e coloca em risco a sociedade. O momento é excepcional, precisamos entender isso definitivamente. A responsabilização penal é a absoluta exceção. Não é esse o caminho natural das coisas. O que se quer, o que se deseja, é que todos tenham a responsabilidade de evitar a disseminação do vírus, que é rápida, volumosa e fácil. E a resposta da sociedade paulista virá a tempo, não há dúvida.
ESTADÃO: O sr teme que uma eventual recessão econômica atinja inclusive o Tribunal?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Mesmo antes da crise decorrente da pandemia, os orçamentos dos Estados e, no caso, do Tribunal de Justiça, estavam comprometidos. O País enfrentava problemas sérios. E é por essa razão que estamos nos preparando, ainda mais, para momentos econômicos delicados. A presidência da Corte baixou em 31 de março último um plano de contingenciamento, suspendendo novos investimentos (salvo os necessários para a prestação jurisdicional), reduzindo aquisição de materiais de consumo, suspendendo despesas com consultoria técnica, racionalizando a liberação de materiais, consumo de água, energia elétrica, telefonia, revisando contratos de toda natureza, reduzindo gastos com combustível e o uso de viaturas oficiais, suspendendo a emissão de passagens aéreas e autorizações de estadias, suspendendo a locação de novos imóveis, suspendendo obras e reformas (salvo as urgentes), suspendendo novas nomeações, dentre outras tantas medidas. Estamos fazendo nossa parte.
ESTADÃO: Qual a lição que podemos tirar dessa pandemia?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: As lições são inúmeras e de toda ordem: humildade, resignação, humanidade, força, esperança, gratidão, vontade, compromisso. Mas uma das mais marcantes é a de que se não houver união de propósitos para tudo, não se chega a lugar algum. Se podemos prestar, nesse momento, a jurisdição de forma ampla, é porque todos estão voltados para um único objetivo: auxiliar o cidadão.
ESTADÃO: Que mensagem o sr pode enviar a seus pares e a todos os servidores do Judiciário paulista?
DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO: Aos meus pares, servidores e colaboradores, quero reafirmar, como disse poucos dias atrás, que é um orgulho estar ao lado de cada um. E não posso deixar de afirmar meu reconhecimento por aqueles que nos acolhem, nos socorrem e nos amparam: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e técnicos. E nossos olhos e orações para os doentes e aqueles que hoje estão em outro plano.