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Opinião|Retomada de áreas destruídas como estratégia para combater o desmatamento

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Atualização:
Floresta Amazônica. Foto: Bruno Kelly/Reuters

Uma das medidas mais impactantes que o Poder Judiciário pode adotar no combate ao desmatamento ilegal da Amazônia é a apreensão do produto do crime: ou seja, a área pública ilegalmente ocupada e destruída. Há décadas, as organizações criminosas que operam na Amazônia se apropriam ilegalmente de extensas áreas públicas. A falta de recuperação desse patrimônio propicia o crescimento estrutural e financeiro da criminalidade.

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Existem, na atualidade, mais de três mil ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal para que, nos casos de áreas públicas desmatadas de forma ilegal e recente, haja a retomada com a apreensão e/ou destruição de tudo que ali se encontra. Essa é a estratégia mais eficaz para garantir que a floresta reencontre o caminho da regeneração natural.

Nesse contexto, e para assegurar maior efetividade no que tange à proteção da Amazônia pelo Poder Judiciário, a condenação do infrator ou pessoa natural é medida menos relevante, embora também necessária, do que a identificação e retomada da área pública ilegalmente ocupada e desmatada. O criminoso ambiental se oculta facilmente dos órgãos de persecução, mas a área pública, ilegalmente apropriada, é sempre identificada e delimitada por segura e robusta tecnologia geoespacial.

A completa desocupação desses polígonos possui o condão de reduzir significativamente o ganho econômico das diversas organizações criminosas estabelecidas. Destaca-se, inclusive, o efeito preventivo geral das decisões judiciais, na medida em que o infrator ficaria inibido ou desestimulado a investir em novas ocupações ilegais tendo o conhecimento da existência de uma atuação forte e independente do Poder Judiciário ao determinar que haja, de forma constante, a apreensão do produto do crime.

Daniel Azeredo. Foto: Divulgação

Nesse contexto, ganham importância as ações civis públicas contra réus incertos, em outras palavras, contra quem estiver se ocultando ao ocupar a área. A estratégia viabiliza a retomada das áreas públicas ilegalmente desmatadas, nos termos da legislação civil que estabelece a responsabilidade objetiva e "propter rem", bem como da jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

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Outras inciativas importantes seriam:

1) não regularizar a ocupação e nem reconhecer qualquer direito à prática de atividades econômicas em áreas ilegalmente desmatadas após 22/7/2008 identificadas pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Sistema Prodes/INPE);

2) reconhecer como válido e, caso demandado, determinar a realização do embargo administrativo remoto das áreas ilegalmente desmatadas a partir do uso de tecnologia geoespacial;

3) criar grupos de juízes para atuar em apoio aos juízos naturais nos 50 municípios com maior desmatamento ilegal na Amazônia, com atribuição exclusiva para julgar crimes e ações na temática ambiental;

4) priorizar o julgamento dos crimes e ações na temática ambiental em todas as instâncias judiciais com a criação de metas e indicadores pelo CNJ;

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5) aumentar a transparência das informações públicas que impactam a proteção ambiental da Amazônia como, por exemplo, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Trânsito Animal, nos termos das ações civis públicas existentes. Isso vai ampliar o controle social das políticas ambientais do país, conforme modelos positivos de transparência que existem, por exemplo, no CAR do Pará e no SINAFLOR do Ibama.

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6) condenar às obrigações de reparação civil e ao pagamento de indenização todos os agentes econômicos que participam, direta ou indiretamente, da venda e que alcançam lucro com produtos oriundos de áreas ilegalmente desmatadas identificadas pelo sistema Prodes a partir de 22/7/2008. A condenação deve alcançar também agentes financeiros que concedem empréstimos aplicados nesses locais;

7) exigir a validação do Cadastro Ambiental Rural nos termos de publicação recente do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o tema;

8) exigir a destinação de mais de 56 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas na Amazônia;

9) exigir a vinculação entre os diversos sistemas de controle existentes entre eles o CAR, a GTA e as Notas Fiscais seguindo o modelo positivo do selo verde do Estado do Pará.

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Todas essas medidas podem ser adotadas de imediato, já que não exigem alteração legislativa ou incremento substancial no orçamento dos órgãos de fiscalização. Isso representaria uma resposta forte e efetiva do Poder Público em geral, e do Poder Judiciário em particular, a um problema que afeta as presentes e futuras gerações.

*Daniel Azeredo, procurador da República e coordenador do projeto Amazônia Protege, do Ministério Público Federal

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