Porém, um grande percentual de pequenos empreendimentos não é sinônimo automático de vitalidade econômica. Especialmente se há predominância de empresas de baixa produtividade e alta informalidade. Ou seja, nossas altas taxas de empreendedorismo são ao mesmo tempo uma solução e um problema.
Mesmo com taxas mais elevadas de crescimento da economia nacional, dificilmente serão gerados empregos de qualidade que abarquem um contingente tão expressivo da população. Em outras palavras, para enfrentar a questão da baixa produtividade média na economia, melhorar a renda média nacional e simultaneamente fazer frente à questão do emprego, a pequena empresa tem que fazer parte do centro da política econômica do país.
Há três diferentes agendas associadas a essa questão:
- A primeira diz respeito à relação entre as empresas e os empregados. Legislação trabalhista, previdência, etc. O que envolve a busca de um equilíbrio entre a flexibilidade, que pode reduzir a informalidade e o próprio desemprego, a estabilidade que favorece a manutenção de vínculos mais duradouros e o aumento do aprendizado no trabalho e, consequentemente, da produtividade.
- A segunda, à relação entre as empresas e o mundo dos impostos. A reforma tributária e como serão tratados O Simples e a figura do MEI, por exemplo. Um complexo equilíbrio entre incentivos que favorecem a formalização e inibem o crescimento das empresas.
- A terceira engloba a relação das empresas com o mercado, em particular a segurança jurídica, o acesso a capital e a serviços de desenvolvimento empresarial.
As duas primeiras agendas dependem de acordos de natureza política e de visões desejadas para o futuro do país. Ou seja, se inserem no âmbito das discussões das reformas estruturais. A terceira é mais ligada a pautas que, se não exclusivas, dependem mais de iniciativas do executivo, muito embora também representem um considerável desafio. Desafio que deriva do tamanho e do crescimento contínuo do público alvo.
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Como assegurar acesso a serviços de desenvolvimento empresarial, financeiros ou não, por parte de um grande número de empresas e empreendedores, a maior parte deles com pequeno faturamento? Afinal, empresas mais produtivas requerem empreendedores mais capacitados e acesso à serviços.
Nesse esforço, é forçoso pensar no papel do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. O SEBRAE (então CEBRAE) surgiu em 1972 como um bureau de serviços. Em um momento em que inexistia um mercado estruturado de serviços empresariais, em particular para pequenas e médias empresas. Na ata de fundação está expresso o foco no atendimento por meio de consultorias e treinamentos.
"Cebrae (Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena Empresa), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento e ao BNDE. Com sede no Rio de Janeiro, o Cebrae, inspirado em trabalhos técnicos feitos pelo Ministério do Planejamento, tem como foco o atendimento às pequenas e médias empresas, realizando a capacitação empresarial por meio de consultorias caso a caso e treinamentos gerenciais."
Em 1991, o CEBRAE se transforma no SEBRAE, um serviço social autônomo. Uma entidade privada, sem fins lucrativos, administrada com a participação do setor público e do setor privado. Ao longo da sua história, o Sebrae teve um papel fundamental na concepção e implantação da legislação atualmente vigente para as micro e pequenas empresas, além de políticas públicas destinadas à melhoria do ambiente de negócio. Da mesma forma, foi pioneiro em diversas iniciativas de política industrial, através de projetos focados em segmentos e clusters empresariais. Mesmo assim, o modelo de bureau de serviços continuou representando sua marca e o elemento principal de sua atuação.
Apesar da sua atuação consistente e de sua capilaridade em todo o território nacional, o SEBRAE sozinho, através de sua estrutura de atendimento, será incapaz de atender essa demanda crescente. É preciso repensar o seu próprio papel e substituir a palavra atendimento do seu texto fundador pelo acesso. Deixar de ter cliente, como um mega bureau de consultorias e treinamentos, e passar a atuar como um agente ativo da construção de mercados que facilitem o acesso das pequenas empresas à serviços.
Construir mercados, esse é o conceito chave. Vejamos o caso específico dos serviços financeiros. Recentemente foi largamente noticiada pela imprensa a chamada "guerra das maquininhas". Diferentes operadoras mudando as suas regras de operação e baixando os custos para seus clientes, em uma clara competição por preços e fatias de mercado. E qual era o público alvo principal? Justamente esses milhões de empreendedores de pequeno porte.
Muitas dessas empresas tem associado os serviços financeiros à outras modalidades de serviços empresariais, de forma a atrair novos clientes e, ao mesmo tempo, reduzir o risco das operações. A própria ideia da existência de uma "guerra", que indica a densidade do mercado em questão, já deveria ser suficiente para afastar uma instituição do Sebrae da oferta desse tipo de serviços, ainda que com o pretexto de criar parâmetros para os demais players.
Atuar na disseminação de informações e na formação de conhecimento em conjunto com os órgãos responsáveis pela regulação, no caso o BC e CADE, é o melhor caminho. Essa foi a tônica do SEBRAE ao longo de sua história na relação com o mercado de crédito para MPEs.
Mas há diversos outros tipos de serviços empresarias no qual se destaca a atuação do SEBRAE. Consultorias, treinamentos, EAD, serviços técnicos especializados, serviços tecnológicos, suporte para abertura de empresas, apoio para digitalização e e-commerce, marketing, acesso à mercados e muitos outros. A novidade é que esses mercados já não são insipientes como em 1972. Hoje, a atuação do SEBRAE como ofertante de serviços pode até funcionar como um freio e fonte de de formações para o bom funcionamento e crescimento desses mercados.
O modelo de contratação de serviços terceirizados pelo SEBRAE, com o qual ele atende a maior parte de sua demanda por atendimento, derivado das normas exigidas pelo uso de recursos públicos, impõe um enorme controle sobre preço a cada operação e regras de atuação que inibem a concorrência, mesmo no seu mercado interno de fornecedores.
Mas a questão central é a diferença de alcance entre o "modelo de atendimento" de um bureau de serviços e a "ampliação do acesso" de uma agência de fomento. E aqui nos deparamos com dois problemas complexos. Afinal, pensar e agir como um ofertante de serviços, de excelente qualidade, é um modelo conhecido e parte da cultura da instituição. Atuar na construção e apoio à mercados não é uma tarefa com garantia de sucesso, exige uma visão de política pública e de avaliação de resultados que admita um processo permanente de ajustes e revisões e mesmo de fracassos eventuais.
No excelente livro "Como Funcionam Os Mercados - A nova economia das combinações e do desenho de mercado ", de Alvin Roth, o autor faz o seguinte alerta já na introdução: "Cada mercado tem uma história para contar. E as histórias sobre desenho de mercado costumam começar com um fracasso - o mercado não oferece densidade, não consegue aliviar o congestionamento, ou tornar a participação segura e simples". Atuar para ampliar a oferta e assegurar o acesso a serviços empresariais apresenta todos os riscos.
Para certos segmentos e serviços, o problema da densidade é um fato. A maioria dos empreendedores nem imaginam precisar de um serviço e por isso mesmo há escassez de oferta, especialmente quando pensamos na "base da pirâmide empresarial". Nesse caso, deveria-se experimentar modelos alternativos de assistência técnica, em rede e colaborativos. Além da interação com diferentes cadastros de programas sociais e níveis de governos. Um mercado que envolveria ONGs, OS, empreendedorismo de impacto social explorando diferentes possibilidades de indução.
As questões de segurança e simplicidade podem ser a diferença entre o céu e o inferno. A simples possibilidade de alocação de recursos públicos para viabilizar o acesso a serviços privados, com decisões fora da burocracia, pode parecer um crime a priori. Imagine a hipótese de uma microempresa decidir sozinha, ainda que com base em uma lista prévia, apenas com base em informações geradas a partir do funcionamento do próprio mercado, como hoje acontece com os "marketplaces" privados, qual é o fornecedor mais adequado e receber algum tipo de subsídio para a contratação deste serviço. Só para contextualizar, no Sistema de Gestão de Fornecedores do SEBRAE essa escolha é feita por rodízio, entre empresas previamente selecionadas e cadastradas no sistema, sem qualquer possibilidade de interferência da empresa que receberá o serviço.
Isso sem falar que o volume potencial do público alvo, tomado como um todo (um terço da PEA como dito acima), é um potencial gerador de problemas, tal como a atração de uma multiplicidade de ofertas irrelevantes e inadequadas, que podem acabar afastando participantes e condenando ao fracasso qualquer tentativa. Ou seja, é preciso ir devagar (nem tanto) e por partes.
Essas são algumas questões preliminares. Há muitas outras, tal como a desburocratização, e aqui a nota positiva da Lei da Liberdade Econômica, e a criação de um programa de apoio a empresas em fase de alto crescimento.Mas o fato mais importante é que o país precisa com urgência incorporar a pequena empresa no centro de sua política de desenvolvimento, e que para isso os velhos instrumentos já não atendem aos novos desafios.