A pandemia de coronavírus escancarou desigualdades sociais no Brasil e será o principal desafio do País no pós-crise. Este é o consenso a que chegaram os participantes do painel desta segunda, 27, da Brazil Conference at Harvard & MIT, evento anual da comunidade brasileira de estudantes em Boston. O debate aconteceu por videoconferência e contou com a participação do apresentador Luciano Huck, do deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES) e da diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia.
Cotado para a disputa da Presidência da República em 2022, Huck (sem partido) reconheceu a gravidade do vírus e disse há risco de que as desigualdades no País sejam ampliadas após a pandemia. "Acho que a melhor arma contra o vírus seria todo mundo alinhado, uma narrativa única ancorada na ciência e na medicina. Não é o que estamos vivendo no momento", afirmou Huck, em referência aos posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro em relação ao isolamento social - contrários às orientações das autoridades sanitárias e à Organização Mundial da Saúde.
"O real impacto do que acontece agora vai aparecer quando voltarmos à normalidade, com as pessoas enfrentando a falta de crédito, falta de emprego", diz Huck. "Adoraria que enfrentássemos isso de forma organizada, mas não é nossa realidade. Tenho medo da pressão social pós-pandemia."
Nascido e criado em favelas e fundador do projeto social Primeira Chance no Complexo da Coruja, em São Gonçalo, no Rio, Douglas Oliveira foi incluído no painel por Huck. Durante a pandemia, ele arrecadou 1,5 mil cestas básicas para doação. "A pandemia mostra que a gente precisa estender nossas mãos uns para os outros."
Huck disse que o Brasil nunca foi tão solidário e que, como parte da parcela mais rica da população, se sente na obrigação de ajudar. "A elite da qual faço parte sempre foi acusada de passividade. Chegou o momento desse 1% fazer parte da solução. Não consigo ver um problema e não achar que faço parte dele."
"É um momento importante falar de desigualdade. Estamos falando de abismos entre cidadãs e cidadãos", disse a socióloga e diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia. "Nos últimos anos, a riqueza daqueles que já são super-ricos só aumenta, enquanto os trabalhadores têm um volume cada vez menor de recursos."
Katia cita ainda elementos da desigualdade brasileira que saltam aos olhos no momento da pandemia, como a falta representatividade da população negra e das mulheres na política. Outra questão importante nesse cenário é tributação, diz a socióloga. "Temos um sistema que contribui para uma injustiça muito grande na forma como é feita a cobrança dos impostos e como o gasto social, o investimento na sociedade, é colocado."
O deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES) propôs que, após a pandemia, o Brasil se esforce em frentes como garantia de renda, saneamento, educação profissional, proteção ao trabalho e assistência social. Para ele, a pandemia deve piorar a desigualdade no Brasil de forma mais acentuada do que outros países.
"O Brasil entrou na pandemia despreparado em muitos sentidos. Isso torna o agravamento (dos efeitos do vírus) pior", disse o deputado. "A gente vai ter que ter um esforço muito maior para não ter um colapso maior. A desigualdade é o desafio central que o Brasil deve enfrentar. Entramos nessa crise com um Estado fiscalmente desequilibrado. Isso o torna menos capaz de dar respostas fiscais e políticas a esse momento."
Meritocracia
Huck levantou a discussão sobre meritocracia no painel. "As oportunidades são distintas. Tem uma discussão grande sobre sucesso e fracasso. Quem está fazendo a sociedade funcionar de verdade neste momento é o caminhoneiro, o entregador de comida, o cara que trabalha na fármacia. Todos trabalhadores historicamente mal remunerados."
"O discurso de meritocracia no Brasil passa a imagem de que pobre e preto é preguiçoso", reforçou Katia. "Neste momento, como você vai de meritocracia quando as pessoas que estão segurando a onda são os serviços básicos, essenciais, que estão funcionando. É esta população que está na ponta."
O painel integra uma programação que tem debatido temas como desenvolvimento econômico, empreendedorismo e startups e desigualdade. Ainda participarão da edição online da Brazil Conference o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), os governadores João Doria (PSDB-SP), Helder Barbalho (MDB-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES), entre outros.
Veja a programação:
27/4
Desigualdade, às 19h
Covid-19 e a desigualdade econômica no Brasil
Luciano Huck, Felipe Rigoni e Kátia Maia
28/4
Política externa do Brasil: presente e futuro, às 19h
Aloysio Nunes, Celso Amorim, Celso Lafer, Hussein Kalout, Rubens Ricupero e Vera Magalhães (moderação)
1º/5
Programa de Embaixadores Brazil Conference, às 17h
10 jovens brasileiros com projetos de impacto social selecionados pela conferência serão entrevistados por Pedro Bial
5/5
Como nos tornarmos um Estado reformista?, às 19h
Rodrigo Maia, Paulo Hartung, Marcos Mendes e Eliane Cantanhêde (moderação)
7/5
Os desafios dos Estados na Crise, às 19h
João Doria (SP), Helder Barbalho (PA) e Renato Casagrande (ES) e Andreza Matais (moderação)