O representante oficial no Brasil da empresa Davati Medical Supply, Cristiano Carvalho, confirmou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que foi avisado sobre o pedido de "comissionamento" (propina) envolvendo a compra de vacinas da AstraZeneca, como relatado pelo policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira.
Cristiano destacou que não estava presente no momento do pedido da propina e disse ter sido informado que a proposta teria partido do "grupo do Blanco", em referência a pessoas ligadas ao coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde.
Como mostrou o Estadão, o responsável pela Davati Medical Supply nos Estados Unidos, Herman Cárdenas, disse que o nome de Dominghetti “não é representante ou funcionário” da companhia” e que foi incluído “a pedido” em comunicações com o governo brasileiro sobre oferta de vacinas apresentada pela companhia ao Ministério da Saúde. A AstraZeneca nega que tenha intermediários no Brasil.
Foi Dominghetti, segundo Carvalho, que trouxe a ele a demanda por vacinas do Ministério da Saúde e ele só passou a dar atenção ao assunto quando passou a receber e-mails de telefonemas de integrantes do Ministério da Saúde.
De acordo com Carvalho, Dominghetti se apresentou a ele em fevereiro de 2021 e afirmou que já tinha uma parceria com a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), presidida pelo reverendo Amilton Gomes de Paula. O reverendo teria tido o aval do governo para tratar da compra das 400 milhões de doses da vacina com a empresa. "Ele (Dominghetti) se empenhou muito na venda das vacinas, fez um trabalho grande com o Senah. Os traços de veracidade que chegavam a mim pareciam indiscutíveis quanto ao interesse do Ministério da Saúde (em vacinas)."
Perguntado por Renan, Carvalho disse ainda que nunca fez qualquer outra negociação com o Ministério da Saúde e que foi ao órgão pela primeira vez em função da negociação com Dominghetti. "A insistência e os traços de veracidade que chegavam a mim eram indiscutíveis de que realmente havia uma demanda e uma precisão e uma proposta do Governo Federal brasileiro, através de várias pessoas que o Dominghetti e o reverendo Amilton (Gomes) conversaram dentro do Ministério da Saúde", concluiu.
Ele disse ainda que, na primeira vez que foi ao ministério, em 12 de fevereiro, participaram da reunião o reverendo Amilton, Dominghetti, Coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil, o coronel Cleverson Boechat Tinoco Ponciano, coronel Marcelo Pires e coronel Elcio Franco. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) classificou como "absolutamente nova" a informação de que Carvalho não tinha relações com o Ministério da Saúde e quem intermediou esse contato foram Dominghetti e o reverendo Amilton.
Conversas com Roberto Dias
Carvalho destacou que foi procurado por Roberto Dias em 03 de fevereiro, e apresentou prints da conversa. O depoente se disse “incrédulo” com o fato de que um funcionário do Ministério da Saúde estivesse lhe procurando, afirmando que o contrato “não fazia muito sentido”. Ele leu diversas mensagens de Dias lhe pedindo contato. Carvalho afirmou que dada a insistência, ele viu os contatos como uma oportunidade.
Carvalho declarou que suas conversas com Dias foram apenas profissionais, sem menção a nenhum pedido de propina para finalizar seu contato, e que Dias lhe procurava apenas para questionar temas relacionados à chegada de vacinas no Brasil.
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), minimizou as conversas mostradas por Cristiano Carvalho com o ex-diretor do Ministério da Saúde. “A gente constata a falta de credenciamento, de capacidade técnica, de habilidade técnica para que essa empresa pudesse tratar com o governo brasileiro sobre a compra de vacinas. Estou realmente constrangido com os diálogos que estão sendo aqui mostrados”, declarou.
Atuação de Elcio Franco
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), sugeriu a demissão de Elcio Franco, que hoje atua como assessor especial da Casa Civil. Ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, o militar foi apontado como o mediador dos contatos envolvendo a representantes da Davati Medical Supply e da Pasta, em tratativas que estão sendo investigado devido ao suposto pedido de propina.
“Não podemos generalizar, mas não podemos fazer de conta que não está acontecendo nada. O coronel Elcio Franco ainda está no governo, está lá do gabinete do presidente", declarou Aziz. De acordo com o parlamentar, Franco “não pode estar na antessala do presidente” com as acusações que recaem sobre ele. “Você não pode passar a mão na cabeça de quem negociou a vacina fantasma e ainda com indício forte de que pediram propina”, disse.
Entenda a investigação
A Davati entrou na mira da CPI após Dominghetti, que se apresenta como representante da empresa, ter revelado que, em fevereiro deste ano o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pediu propina de U$S 1 por vacina em troca da assinatura de um contrato para compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca. O ex-diretor nega que tenha pedido propina.
Inicialmente a proposta da Davati seria vender 400 milhões de vacinas por U$S 3,50. Em seu depoimento, Dominghetti afirmou aos senadores que relatou o pedido de propina a Cristiano e que não foi dado prosseguimento na negociação. Como pró-labore, Cristiano receberia US$ 0,20 por dose comercializada, enquanto a Dominghetti deveria ser pago de US$ 0,03 a US$ 0,05 a unidade. Dominghetti foi ouvido pela CPI em 1º de julho, depois de citar o pedido de propina em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. /CÁSSIA MIRANDA, DANIEL WETERMAN, MATHEUS LARA, MATHEUS DE SOUZA E PAULA REVERBEL