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Um olhar crítico no poder e nos poderosos

Opinião|Lula vai brincar de petróleo com o sanguinário bin Salman às vésperas da COP-28?

Presidente pretende se reunir com Mohammad bin Salman, da Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, a caminho da conferência climática, onde fontes renováveis serão estrelas e o Brasil deve ser o centro das atenções

Foto do author Eliane Cantanhêde

O presidente Lula gosta de viver perigosamente e, em vez de usar a força da sua biografia, a sabedoria da idade e a longa experiência política, reage de forma juvenil em questões muito sérias de interesse do Brasil: Israel, Argentina, EUA, déficit zero, Petrobras, agindo com dubiedade em relação ao Supremo e até permitindo que o governo replique o bolsonarismo no ataque a jornalistas. O resultado vem em números negativos das pesquisas, num efeito bumerangue. O bolsonarismo, organizado e unido, está à espreita.

Vejam bem: Lula pretende se reunir com Mohammad bin Salman, sanguinário da Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo do mundo, justamente a caminho da COP-28, onde as mudanças climáticas e as fontes renováveis serão estrelas e o Brasil deve ser o centro das atenções, pela Amazônia, por ter a matriz energética mais limpa e por ostentar um ícone, Marina Silva, e um presidente ávido por protagonismo internacional, para o Brasil e para ele.

Em 2021, o grupo "Rebelião do Oceano" protestou nas ruas de Glasgow às vésperas da COP-26 Foto: EFE/EPA/Robert Perry

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Isso vem num contexto de escorregões. O que o Brasil, o governo e Lula ganham ao condecorar o embaixador da Palestina com a Ordem do Rio Branco? Ok, o embaixador israelense começou a “guerra” no Brasil, mas mesmo assim a decisão de Lula é uma provocação barata, e de consequências ruins, em meio a uma guerra que, como toda guerra, tem dois lados, inclusive internamente. Política e diplomacia são feitas também por gestos e palavras. Esse gesto é um tapa na cara de Israel.

E o que o Brasil, o governo e Lula ganham com essa birra com o presidente eleito da Argentina? Ok, Javier Milei é abaixo de qualquer crítica, grosseiro, irresponsável e preocupante, mas foi eleito democraticamente pelos argentinos e não cabe ao presidente do Brasil condenar e fazer uma nota de “cumprimentos” sem citar o nome do eleito. É bobo, dispensável.

Lula (com Janja junto) já errava na campanha, rompendo a boa prática diplomática de, ao menos, fingir uma não interferência em assuntos internos de outros países. Foi explícito, e imprudente, no apoio ao peronista derrotado, Sérgio Massa. E continua se igualando a Milei e desperdiçando uma boa chance de agir como estadista.

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Lula foi "explícito e imprudente" no apoio a Sérgio Massa nas eleições para a presidência da Argentina Foto: Wilton Júnior/Estadão

Com EUA, Lula age como um jovem militante dos anos 1970, 1980, dando declarações e sinais pró-Rússia e China, quando a própria China, muito mais pragmática, faz um movimento em sentido contrário, de respeito, abertura e diálogo, digamos, adulto, com Washington. O que Lula não percebe é que enfraquecer Joe Biden é fortalecer Donald Trump, já favorito nas eleições dos EUA, em 2024, assim como atacar frontalmente Milei é dar palanque para Jair Bolsonaro.

Depois de causar muita marola e incertezas ao permitir ataques contra o Banco Central, a nova âncora fiscal e o déficit zero em 2024 – logo, contra o principal ministro, Fernando Haddad –, Lula agora bate de frente com a Petrobras e seu presidente, Jean Paul Prates, que, aliás, é petista.

Mais uma vez, PT contra PT, com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, na linha de frente da pressão política contra decisões técnicas. E o momento é tenso com o STF, pelo voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, no projeto que interfere nas votações monocráticas da Corte, e com o Congresso, pelo veto à prorrogação da desoneração da folha de pagamento.

Como nos governos de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro, Lula também acha que, como ele foi eleito, tem direito de meter pés e mãos na Petrobras, exigindo “função social” da principal e mais estratégica empresa brasileira. Bonito, não é? Mas inadequado. A pressão agora é para baixar o preço dos combustíveis na bomba para o eleitor, ops!, consumidor, já que o dólar e o preço internacional do barril de petróleo caíram. Só tem um problema, como alerta Prates: a hora é de compensar as perdas de quando dólar e barril estavam altos e os preços não subiram. É lógico, matemático.

Se Lula se equipara a Bolsonaro nas investidas na Petrobras, também permite que PT e o seu governo usem métodos bolsonaristas no trato com a mídia e com jornalistas, inclusive, ou principalmente, mulheres. Tudo mudou no Planalto, mas o “gabinete do ódio” continua?

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A reportagem do Estadão sobre alguém tão ligado ao crime organizado entrando e circulando justamente no Ministério da Justiça é correta e aponta um erro do governo. Se a oposição fez um uso infame da informação, tentando crucificar o ministro Flávio Dino injustamente e criando vínculos do PT e Lula com o tráfico, maliciosamente, que descarreguem a munição na oposição. Mas no jornal? Numa jornalista séria e respeitada? Em repórteres que apenas cumprem o seu papel?

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É por essas e outras que só 9% do mercado financeiro avalia positivamente o governo, segundo pesquisa da Genial/Quaest, apesar de Lula acertar em várias frentes, obter bons resultados na economia, patrocinar reformas estruturais que os antecessores nem tentaram, resgatar os laços e o diálogo do Brasil com o mundo e as prioridades sociais.

“Além de ser honesta, a mulher de César precisa parecer honesta” e Lula, além de acertar no principal, também precisa agir e falar como estadista, não como um velho militante fora de época e de lugar. Ou seja: ele precisa ajudar a imagem do seu governo e dele próprio. Até para se prevenir do efeito de uma eventual vitória de Trump aqui no Brasil.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

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