As ideias que aparentam ser brilhantes às vezes são apenas uma péssima ideia. No dia 1º de dezembro, a Marinha lançou nas redes uma campanha antecipada para homenagear seus marinheiros e os fuzileiros navais. Em resumo era assim: o Comando planejou exaltar os sacrifícios da vida na caserna que asseguraria ao restante da sociedade viver bem e em paz.
O vídeo está disponível no link abaixo e, quem ainda não viu, vale conferir:
No Planalto, o vídeo da Marinha foi entendido como uma provocação ao discurso de corte de gastos e redução de privilégios nas Forças Armadas, recentemente entoado pelo Ministério da Fazenda. Viram até um sósia do ministro Fernando Haddad no momento em que aparece a legenda “vocês terão que se acostumar”... “a uma vida de sacrifícios”.
Mas a propaganda da Marinha diz muito mais do que isso. A justaposição de imagens deve ter sido pensada para realçar como fuzileiros vão literalmente se arrastar na lama para forjar o espírito do combatente. Nada de festas, nada de passeios, nada de sombra e água fresca. Sem privilégios.
O problema é que a mesma justaposição de imagens mostra cenas de civis em família, flanando de asa delta, surfando, curtindo a vida sem aporrinhações. Ou seja, na cabeça de quem projetou o vídeo parece pairar a ideia de que a missão do militar é a do sacrifício pela pátria. Já a do civil é não pensar em nada porque tem gente velando por seu sono tranquilo.
Pode soar como insulto à grande maioria dos mesmos civis que acordam cedo para entrar em transportes públicos abarrotados, que estão expostos a um assalto na esquina e que lidam com uma contabilidade doméstica que não fecha por conta da remuneração curta.
Ainda que o vídeo tenha tido apenas a intenção de falar que o futuro militar deve se preparar para o que der e vier, ele parece atribuir aos não-militares um status menor. Ocorre que privilégios existem dentro e fora do quartel. Sacrifícios também.
A Marinha é a Força que inaugurou pesquisas de ponta sobre enriquecimento de urânio, projetou um submarino nuclear e tem diuturnamente a missão de vigiar as águas territoriais. Mas é também lugar de soldo representativo se considerado a renda média do cidadão civil que está na casa dos R$ 3 mil. Na Marinha, um suboficial ganha o dobro desse valor.
Oficialmente, o Comando diz que a peça publicitária teve intenção de “destacar e reconhecer o constante sacrifício de marinheiros e fuzileiros navais, que trabalham incansavelmente para a Defesa da Pátria e o desenvolvimento nacional, atividades essenciais para que a sociedade em geral possa desfrutar de vida mais próspera e segura”.
A ideia da celebração ao marinheiro, no entanto, deu à Marinha o título de dona de uma mensagem truncada aos não-marinheiros. Afinal, acreditar que só é verdadeiramente patriota aquele que usa farda é excluir do Brasil a maioria dos brasileiros.