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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A construção de capacidades estatais para o 3º Governo Lula

Por REDAÇÃO
Atualização:
 Foto: Estadão

Alexandre de Ávila Gomide, Coordenador de Planejamento e Desenvolvimento do IPEA

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Ana Celia Castro, Vice coordenadora do INCT de Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento

Nos históricos discursos de posse no Congresso Nacional e no Parlatório do Planalto em 1º de janeiro de 2023, o presidente Lula explicitou os propósitos de seu governo: a luta contra todas as formas de desigualdade, a erradicação da fome e da extrema pobreza, o combate à mudança climática e a reindustrialização do Brasil. O alcance de tais propósitos não será trivial - os problemas são complexos, sistêmicos e com múltiplas causas. Exigirão para o seu enfrentamento a elaboração de um portfólio de ações em diferentes setores e uma série de iniciativas e inovações tecnológicas, sociais, organizacionais e políticas para a entrega de resultados transformadores para a economia, a sociedade e o meio ambiente.

Por conseguinte, o governo precisará reconstruir e desenvolver novas capacidades, habilidades, competências e instrumentos para elaborar e implementar políticas, projetos e ações em parceria com a sociedade e o setor privado. O Estado, é por excelência, o ator coletivo capaz de conduzir as ações necessárias e de organizar os investimentos públicos e privados catalisadores das transformações nos múltiplos setores da economia e da sociedade. As capacidades estatais e os modelos de gestão não são neutras: eles dependem dos propósitos e objetivos do Estado. Se a promoção do crescimento econômico ambientalmente e socialmente sustentáveis e o fortalecimento e consolidação de nossa democracia são os grandes objetivos do governo, as capacidades estatais e os modelos de gestão devem ser reconstruídos e renovados para alcançar tais fins.

De tal modo, torna-se imperativa a transformação da visão do papel do Estado e da gestão pública. Como afirma Mariana Mazzucato, a função do Estado não é apenas garantir contratos e corrigir falhas de mercados - ele pode criar ou estruturar novos, em parceria com o setor privado. Da mesma maneira, como mostrou Rainer Kattel e coautores, a burocracia pública não é intrinsecamente uma instituição rígida, rotineira e lenta - ela pode ser dinâmica e atuar como agente de transformação e inovação.

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Por muito tempo fomos impregnados por uma visão negativa da ação do Estado, da política e dos servidores públicos. A chamada teoria da escolha pública, que argumentava que a intervenção governamental poderia agravar em vez de melhorar as falhas de mercado, influenciou o ideário da nova gestão pública, que prega reformas administrativas abrangentes, visando trazer modelos e práticas de gestão das empresas privadas para a administração pública. A pandemia do Covid-19 mostrou os problemas dos Estados que contam apenas com terceirizados para ofertar serviços públicos como também o valor de um serviço público profissional e estável. O pacote de investimentos do governo Biden trouxe de volta o Estado, por meio de vultosos investimentos em infraestrutura que privilegiam o desenvolvimento científico e tecnológico. Recuperou, entre outras medidas, os instrumentos de política industrial - como compras públicas - visando devolver à indústria norte-americana o seu protagonismo perdido para o Leste Asiático.

Existe uma heterogeneidade considerável nas capacidades do setor público brasileiro, sobretudo dentro do governo federal. Alguns setores de políticas têm burocracias relativamente profissionalizadas e eficientes, notáveis na inovação de processos para o setor público e serviços para a população. Outros ainda enfrentam o desafio de ampliar suas capacidades e capacitações, por falta de uma visão inovadora e de pessoal e expertise insuficientes. Independentemente dessas diferenças, deve-se reconhecer o papel essencial que o investimento para transformar e fortalecer a capacidade do setor público poderá desempenhar no enfrentamento dos desafios sociais neste momento histórico.

Deve-se repensar o papel das organizações e agentes públicos para que sejam atores de transformação. A redução da ineficiência não pode resumir o único propósito da gestão pública. O objetivo deveria a ser a criação de valor para a sociedade. Recrutar novos e remunerá-los decentemente, são objetivos necessários, mas não suficientes. É preciso desenvolver senso de propósito e missão, motivá-los para o interesse público, enraizar capacitações para antecipar problemas futuros, além de dotá-los de competências e recursos necessários para inovar na solução de problemas e entregar os objetivos a serem alcançados. Os gestores públicos devem ter autonomia para tomar iniciativa e experimentar soluções inovadoras. Mas, para isso, são necessários novos e diferentes mecanismos de responsabilização que garantam segurança jurídica suficiente para que eles possam experimentar, eventualmente fracassar, corrigir e aprender.

Instrumentos de políticas precisam ser desenvolvidos e fortalecidos, a exemplo das compras públicas. Países de todo o mundo utilizam as compras como uma ferramenta para alcançar objetivos de política pública. Novos instrumentos financeiros para o financiamento de investimentos transformadores precisam ser criados. A digitalização deve focar não só na entrega efetiva de serviços para toda a sociedade, mas também nos métodos de estruturação da ação coletiva para lidar com os problemas públicos. Métodos e técnicas de previsão, prospecção e antecipação de futuros, como também de cenários que preveem tendências e incertezas críticas para o desenho de programas e projetos precisam ser adotados. Os contratos de parcerias entre atores dos setores público e privado devem conter formas de redistribuição de ganhos, para além da distribuição de riscos.Isso pode ser feito através da adoção de condicionalidades, de tecnologias limpas, de melhores condições de trabalho, e na forma de reinvestimento de lucros e benefícios alcançados.

Além disso, é preciso criar e desenvolver mecanismos para coordenar estrategicamente os portfólios de projetos transversais, evitando lacunas e sobreposições conflituosas. No que se refere ao monitoramento e à avaliação de políticas, é preciso utilizar técnicas e critérios que captam adequadamente o impacto dos projetos, suas externalidades positivas e principalmente os transbordamentos dos aspectos qualitativos e transformacionais no longo prazo. Mesmo que um objetivo específico não seja alcançado, a política ainda pode ser bem-sucedida se ela gerar efeitos colaterais positivos para a economia, sociedade ou meio ambiente.

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Por fim, mas não menos importante, formas inovadoras de engajamento e envolvimento da sociedade na definição, implementação e avaliação das políticas devem ser criadas. A construção de apoio social para as políticas de governo torna-se imperativa nestes tempos de polarização e radicalização política. As ações do governo devem contar com ampla legitimidade e aceitação, por meio da construção de consensos. Assim, processos transparentes de participação, com a adoção de novas técnicas e tecnologias - inclusive digitais - são imprescindíveis.

Em resumo, além de reconstruir políticas públicas, caberá ao terceiro governo Lula novas formulações para enfrentar os grandes, complexos e urgentes desafios da sociedade brasileira definidos desde o primeiro momento. Tais políticas são transversais e requerem, para serem bem-sucedidas e entregarem resultados substantivos, o envolvimento e a cooperação entre atores públicos e privados. Elas enfrentarão a oposição ferrenha de setores e grupos antidemocráticos. Demandam, portanto, o desenvolvimento de novas capacidades estatais para implementá-las, o desenho de uma arquitetura financeira sustentável e a construção de coalizões sociopolíticas de suporte.

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