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O reconhecimento dos saberes tradicionais de mestres e mestras da cultura popular

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Por Redação
Atualização:

José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista, Advogado, Professor, Mestre em Ensino e Formação Docente (Unilab/IFCE), Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: jolimpiofneto@gmail.com

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A Constituição Federal do Brasil de 1988 prevê o reconhecimento dos bens culturais imateriais por meio de instrumentos de proteção, tais como os registros, os inventários, além de outras formas de acautelamento; ou seja, permite inovações. Entre os bens, passíveis de serem tutelados por esses instrumentos estão os saberes tradicionais articulados pelos mestres e mestras da cultura popular, a exemplo dos Mestres de Capoeira que tiveram o seu ofício reconhecido pelo registro e devidamente identificados pelo inventário.

No dossiê que inventaria a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira há uma demanda da comunidade no intuito de obter a prerrogativa de articularem os saberes dessa prática cultural em ambientes acadêmicos, promovendo um diálogo entre os saberes tradicionais e o conhecimento que circula nas universidades.

Capoeiristas, engajados no meio acadêmico nacional e internacional, articularam a outorga do título de Doutor Honoris Causa a capoeiristas reconhecidos pelo trabalho que desenvolveram na construção dessa manifestação cultural, tais como Mestre Bimba, Mestre João Grande e Mestre João Pequeno. Trata-se de uma forma de homenagem que não gera prerrogativas para atuação profissional [1].

A Universidade Estadual do Ceará (UECE) foi pioneira no Estado ao outorgar o título de Notório Saber aos Tesouros Vivos da Cultura Cearense, política pública promovida pela Secretaria de Cultura do Ceará, uma das precursoras no Brasil, no reconhecimento dos mestres da cultura [2].

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A Secretaria vem, aos poucos, aumentando o número de vagas para o referido reconhecimento. Os capoeiristas cearenses, a partir de esforços coletivos, conseguiram duas cadeiras para os Mestres de Capoeira, Mestre Zé Renato e Mestre Paulão, do Ceará. Na mesma esteira segue a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), que por meio de uma resolução aprovou a criação do título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais e regulamentou a expedição do referido título no âmbito da instituição superior [3] No nível federal, também tramita um projeto de lei que trata do reconhecimento de mestres e mestras dos saberes tradicionais com caracterização da atividade profissional de mestres de ofício por meio do título de Notório Saber [4].

Em suma, a diferença entre Doutor Honoris Causa e Notório Saber reside no fato de que este traz para o seu titular a prerrogativa de poder dar aulas na universidade com equivalência a um doutor, enquanto aquele é um título simbólico, que homenageia quem o recebe, não gera direitos, no entanto, tem um capital simbólico considerável, pois é uma espécie de reconhecimento.

Diante da escassez demasiada de recursos no campo cultural que acirra as tensões entre os detentores, obter um diferencial para denotar um destaque frente aos outros, seria, para alguns, uma vantagem. Nesse sentido, alguns detentores lutam por um reconhecimento da Capoeira como uma profissão que venha acompanhado de sua regulamentação, gerando assim uma expectativa de terem os saberes que articulam equivalentes aos títulos acadêmicos.

Dessa forma, alinham-se com projetos obtusos que excluem ao invés de incluir, pois selecionam subjetivamente e supostamente os mais aptos. Para isso, buscam meios, tais como instituições sem um largo lastro que possa garantir as prerrogativas ansiadas. Assim, pecam por pensar que terão suas demandas assistidas por meio de títulos que não têm efeitos jurídicos e nem simbólicos.

Seja qual for o intuito em obter ou promover titulações externas ao universo do bem cultural, é fundamental perceber que qualquer título atribuído que esteja fora da esfera da manifestação cultural é apenas um adendo à trajetória dessas pessoas que vivem para a cultura.

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O autêntico reconhecimento está na comunidade na qual atua, entre os pares. Um mestre ou uma mestra da cultura é um(a) articulador(a) que promove o fluxo de saberes, é um(a) guardião/guardiã de memórias e da ancestralidade.

Notas e referências

[1] COLETIVO CAPOEIRAGENS. A outorga de títulos de doutor honoris causa mestres de capoeira - razões e significado. 2022.

[2] Lei nº 13.842, de 27 de novembro de 2006. Institui o registro dos Tesouros Vivos da Cultura no Estado do Ceará e dá outras providências.

[3] Resolução nº 53, de 11 de fevereiro de 2021. Aprova a criação do título de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais e regulamenta a expedição do certificado no âmbito da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

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[4] Projeto de Lei nº 1.786, de 2011. Institui a Política Nacional Griô, para a proteção e fomento à transmissão dos saberes e fazeres de tradição oral.

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