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Jefferson tinha apoiadores que poderiam estar armados e ação foi ‘correta’, diz instrutor da PF

Policial aposentado, Olinto Marcelo é coautor de manual de gerenciamento de crises da academia da Polícia Federal; segundo ele, agente usou declarações ‘inadequadas’ durante rendição de ex-deputado

Foto do author Vinícius Valfré
Por Vinícius Valfré

BRASÍLIA - Um dos autores do manual de gerenciamento de crises usado na Academia Nacional de Polícia, o policial federal aposentado Olinto Marcelo Macedo da Silva afirma que os agentes que cumpriram o mandado de prisão contra o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) exerceram bem a função de entregá-lo à Justiça sem optar por outra ação que poderia oferecer ainda mais riscos à vida dos policiais ou, ainda, tornar o político um mártir.

Olinto Marcelo Macedo da Silva, policial federal aposentado e especialista em negociações em crises Foto: Reprodução TV

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Negociador Policial formado pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais de Loures, em Portugal, Marcelo afirma que o agente que negociou a rendição de Roberto Jefferson usou declarações inadequadas ao concordar com o político, por exemplo, quando ele falou que reagiu aos disparos dos policiais. No entanto, avalia que o contexto político e institucional da PF às vésperas da eleição precisava ser considerado pelo negociador.

A relação amistosa do policial negociador com o alvo do mandado, como é possível observar no vídeo que circula entre delegados, é algo aceitável ou recomendado em negociações?

No gerenciamento de crises você não tem nunca uma regra geral aplicada em todos os casos. Toda vez que analisa um evento tem de lançar os olhos sobre os quatro elementos essenciais. É preciso identificar o ponto crítico, o local em que acontece; o provocador daquela crise, e aí analisar as segundas intenções, o estado mental, o estado emocional, a habilidade com a arma, a probabilidade de cumprir as ameaças que faz; avaliar a arma utilizada, a letalidade dela, o alcance; e se há capturados. Quando a análise de risco decidiu enviar policiais da área de inteligência para cumprir o mandado de prisão e considerou fazer aquilo com o menor estardalhaço possível, você também cortou deles os recursos especializados. Pela forma como tocam no interfone, eles estão despreocupados. Apesar da apologia à armas de fogo que o alvo faz nas redes, não houve consideração dessa possibilidade. Eles não esperavam, não tinham uma previsão de reação daquele porte. Quando aquilo acontece e há policiais feridos, há que se considerar que a equipe não tinha condições de fazer o enfrentamento. Tinha de pedir reforços. E isso foi feito. Com a chegada do grupo especializado, o gerente de crise estabeleceu a negociação.

Depois da reação violenta do político, o que deveria ser feito pelos policiais?

A cena é clara: tem um provocador armado e não tem capturados, não tem reféns, tem até aliados lá dentro da casa. E ele não manifesta intenções suicidas. Então não tem risco à vida nem de terceiros nem a do provocador da crise. Gerenciar crise é primeiramente a preservação da vida. Ali é cercar e negociar a rendição. Ou, como alguns doutrinadores falam, cercar e exigir rendição. Processo de comunicação se dá através de um profissional que é o contato entre as autoridades e provocador da crise. Algumas pessoas estão colocando que ali deveria haver uma ação tática. Não, o policial é um bem caro para o estado e você não expõe a vida desse policial para adentrar um ponto crítico que você não conhece os móveis, as paredes. Você não sabe nem a posição do alvo dentro da casa. A vantagem é de quem está internamente. Você não arrisca a vida do grupo a não ser que haja vidas em risco lá dentro. Então, a utilização do negociador é a ferramenta correta nesse ponto.

Viatura atingida por Roberto Jefferson foi levada à sede da Policia Federal para perícia e reparos. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Os tiros contra a equipe da polícia por si só não justificariam uma reação mais agressiva?

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Não. Faz sentido que o estado não possa prevaricar e que cumpra decisão judicial. Mas o cumprimento da decisão não pode colocar em risco os policiais. Quando tem cumprimento de mandado, cerca e exije a saída. Quando você tem uma informação que tem uma arma de grosso calibre, você vai expor uma invasão a um ponto crítico que não conhece, que não tem a planta da casa, que não sabe mais quem tá lá dentro, quem são os aliados. Não justifica. Quanto ele tinha de munição lá dentro? Quantas granadas ele tinha? Quanto mais vidas poderiam perder se tentassem invadir para cumprir um mandado?

Em dado momento, o Padre Kelmon, um aliado político do Roberto Jefferson entrou na casa. Isso é correto ou comum em negociações?

Não é comum. Em princípio, perímetros de segurança não são para ser ultrapassados. Tinha um ex-deputado federal na casa, que foi presidente de um partido, que faz parte de um dos lados extremos que disputam a eleição. Temos um momento polarizado para os extremos. E nesse processo tem a pessoa que estava com ele na chapa quando Roberto Jefferson foi impedido pela Justiça de concorrer e foi alçado a candidato. A probabilidade de ele ser capturado ou feito de refém é muito baixa. Em regra, a gente não permite a entrada, a gente coloca para se comunicar do lado de fora. Depois de verificada a validade do risco, se diminui potencialmente a ação. Diante da pressão política, do momento eleitoral, da possibilidade de ter um confronto e virar uma guerra civil, porque tinha inclusive a casa cercada por apoiadores e teve até um jornalista agredido, você tem de analisar todo esse contexto. Julgou-se que essa era uma estratégia e o padre entrou e trouxe a arma.

O negociador precisa considerar pressão política e momento polarizado para fazer o trabalho?

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Ele está com toda essa pressão em cima dele. Notoriamente estava envolvendo a Presidência da República, o Ministério da Justiça, a direção da PF, a superintendência do Rio de Janeiro. E o gerente da crise está na localidade, e você tem uma pressão em cima dele imensa. E o negociador sabe disso tudo. Provavelmente, ficou claro que a determinação para ele era retirar o ex-deputado de lá com o menor estrago possível. Eu sei que há uma comoção enorme para ele sair algemado. O problema é tirar dali com apoiadores lá dentro e alimentar o discurso de vitimização dele. Você está lidando com alguém que está em surto. Você pode até dizer que o Roberto Jefferson é alguém permanentemente surtado. Em várias vezes ele não houve o que o negociador fala, ele fala por cima. É como se conversasse com um esquizofrênico, a pessoa diz que as vozes que ele escuta mandam ele fazer tal coisa. Você não vai dizer que não tem voz nenhuma. Você vai dizer que só consegue entender o que ele fala.

O negociador não exagerou ao propor um diálogo tão amistoso?

O que o negociador fez foi usar a estratégia de minimizar o estrago (com tiros) nos policiais. Alguém, naquela cena que se identificou como policial, chegou a dizer que ele jogou a granada longe e que foi um fiapo que atingiu a policial. Então o Roberto Jefferson tinha apoiadores dentro da casa, possivelmente armados. Do lado de fora também. Houve uma facilitação imensa à aquisição de armas nos últimos anos. Essa situação tem de ser levada em conta pelo gerente da crise. O ideal é fazer com que ele entregue a arma, se entregue e entenda que o melhor a fazer é sair com os policiais. Tenho restrições a algumas falas dele. Eu não confirmaria jamais que foi o policial que atirou primeiro, porque o Jefferson disse que teria reagido ao policial que atirou primeiro, o que não é verdade (em depoimento os policiais disseram que reagiram após os tiros dados por Jefferson). Depois ele afirma que a abordagem teria sido atrapalhada, que os policiais eram administrativos. Não eram. Não é usual que policiais da inteligência cumpram esses mandados, mas parece que a análise de risco conduziu para entender que o Roberto Jefferson os acompanharia. E não foi bem assim. O negociador com certeza estava dentro da estratégia de construir a ponte com o causador. Por mais que a gente fique bem indignado que ele tenha atirado contra policiais e depois tenha tido aquele nível de conversa, o objetivo era cumprir a decisão judicial. E Roberto Jefferson foi levado para a Superintendência e para Bangu 8. O negociador usou as ferramentas que tinha, e tudo focado no “me acompanhe”.

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Procede essa ideia de que é preciso criar um personagem para fazer a negociação?

Não é usar de personagem. Tem de construir um elo, uma ponte. A farda já é um impedimento. Tem de quebrar esse gelo. Tem de construir empatia. E o discurso dele era respeitar a história que o Roberto Jefferson tinha, apesar de questionável, e seguir. Você não vai dizer que concorda, tem de dizer que consegue entender o que ele pensou.

Por que não algemar o alvo tão logo o policial acessou a casa se, em tese, o ex-deputado estava desarmado?

Se ele parte para uma ação dessa, poderia ser interrompido por um dos aliados dele. Ou, se a abordagem tivesse sido feita pelo grupo tático depois dos tiros e não houvesse controle rigoroso dessa ação tática, poderia ter ocorrido uma “visão de túnel” e uma reação descontrolada. Se ele sai morto daquela casa, vira um mártir. E nós teríamos um país em guerra civil e, talvez, um segundo turno das eleições ameaçado. É preciso entender que a PF, quando age, pensa também na questão institucional, é inevitável. Não se pode lançar o país numa situação de confronto a esta altura do campeonato.

Na ação, dois policiais ficaram feridos e uma viatura foi danificada. Não há que se falar em erro de alguém?

Não entendo assim. O desfecho era cumprir decisão judicial. A situação exitosa é quando não há dano a ninguém. Teve uma análise de risco que talvez tenha sido equivocada, mas esse é um componente subjetivo. Ele tinha vários vídeos incitando a violência. Talvez fosse o caso de ter ali uma equipe mais especializada nesse tipo de missão. Mas é muito fácil falar isso no dia seguinte, sentado no sofá. A missão era cumprir o mandado com o menor estardalhaço possível e não transformar aquilo num evento político. Ele vai ter de responder pela tentativa de homicídio qualificado. Ele precisa ser responsabilizado para que esse comportamento não vire uma praxe. É preciso haver punição rigorosa.

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