Acreditam que seus eleitores os avaliam pelos recursos que canalizam para seus estados e municípios e os benefícios que geram. A partir daí, restringem a ação parlamentar à coleta de verbas e dedicam o tempo restante a negócios que possam ser feitos com a influência do mandato.
Tornam-se, assim, "vereadores federais", despachantes de interesses ou mesmo lobistas - isentos de qualquer ônus inerente à função pública que exercem.
É esse contingente que produz resultados como o da absolvição parlamentar do deputado Natan Donadon, tentando emprestar algum toque de soberania ao escândalo, roubando à Constituição o conceito que preserva os representantes do Legislativo de manobras espúrias contra o mandato, para aviltá-lo em prol de causa inconfessável, porém sabida: o fortalecimento do corporativismo travestido de independência dos poderes.
Mas esse contingente sempre existiu, nos bons e maus momentos do Legislativo, e, apesar da supremacia numérica, nunca prevaleceu como força autônoma na condução do processo político, como vem acontecendo na última década. Faziam lá suas peripécias, praticavam o fisiologismo pessoal, mas sempre por baixo dos panos, sobrevivendo como figuras menores no Parlamento.
Não ousavam diante de lideranças expressivas como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, para ficar nos dois exemplos mais notórios de um passado recente em que a política estava associada à discussão dos rumos nacionais. E se curvavam ao patrimônio intelectual e jurídico de cardeaisformadores de uma elite política que efetivamente orientava as ações do Congresso.
A Constituinte de 88, possivelmente, é o divisor de águas entre esse passado e o ciclo que se inicia a partir do governo Sarney, desembocando na gestão Collor, da qual se auto-excluíramos quadros qualificados remanescentes da fase de redemocratização do país.
Com a ajuda, é verdade, de um presidente que pagou com o impeachment a indiferença em relação a um Congresso que ainda abrigava porcentual razoável de bons políticos.
Fosse hoje, vale o parêntese, é de se perguntar se aconteceria o impeachment, dado o grau de periculosidade do Congresso, refletida na estatística que registra 2/3 de seus componentes com processos judiciais que começam a sair do baú do Supremo Tribunal Federal. O que explica a votação pró-Donadon, provável estertor de um corporativismo enfraquecido pela informação em rede, que rompe a lógica da imunidade eleitoral em que se escondia o baixo clero.
A votação unânime, sem uma abstenção sequer, pelo fim do voto secreto, dá à preservação do mandato de Natan Donadon um desenho de teste: a Câmara voltou a flertar com a indiferença depois de ensaiar uma agenda positiva e recuou diante da ampla rejeição da sociedade.
Já se preocupa, pois, o baixo clero, com a opinião pública que até ontem ironizava.
No entanto, o placar de 452 a zero, é demonstrativo do chamado "efeito pendular", ou "gangorra", assim chamado por aplicar tratamentos opostos a uma mesma matéria ,em curto espaço de tempo, para atender a pressão da opinião pública por mudanças que signifiquem um basta aos desmandos.
Saiu-se da absolvição de Donadon para o fim do voto secreto em qualquer circunstância, na tentativa de redimir a instituição do escândalo que protagonizou ao criar a figura do deputado-presidiário. A segunda decisão, extraída com apoio compulsório do mesmo baixo clero autor da primeira, é agora contestada pelas lideranças principais do Congresso - que longe de ser uma elite política é, antes, o baixo clero de ontem, com as exceções que confirmam a regra.
Projeta-se uma nova rodada em torno do tema, a partir da chegada ao Senado da matéria aprovada ontem extinguindo o voto secreto. Não são poucos os parlamentares dispostos a revisar o projeto, restringindo o voto aberto a cassações e o mantendo secreto para casos de vetos presidenciais e indicações de juízes de tribunais superiores, entre outros .
Argumentam estes, que o voto aberto para casos de interesse político do governo, retira do parlamentar a blindagem contra retaliações do Executivo federal, comprometendo suaautonomia e, por extensão, o interesse do eleitor que lhe conferiu o mandato.
Pelo raciocínio, no caso de um juiz, de cargo vitalício, o voto aberto contra, derrotado, pode entronizar no Poder Judiciário um inimigo definitivo com poder de eventualmente julgá-lo amanhã.
É provável, portanto, que a votação de ontem se configure uma ressaca moral ainda por ser revista para limitar seu raio de alcance. O que mantém o Legislativo num comportamento errático, populista, sem qualquer programação e, menos ainda, sentido de missão pública.