Lives de acadêmicos viram alvo de hackers

Debates são invadidos por ruídos e xingamentos; invasores se apresentam como 'bolsonaristas'

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Foto do author Marcelo Godoy

O ataque foi imediato. “Feijó conclama, Tobias manda...”, escreveu um usuário que se identificou como policial, citando o hino da PM de São Paulo. Outro digitou: “Parabéns Bolsonaro, parabéns às polícias, parabéns ao cidadão de bem que não defende vagabundo.” Foram mais 7 mil comentários e 30 mil dislikes durante a live Polícia pra quê? Protestos antirracistas e o fim do monopólio policial, transmitida pelo Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC), da Universidade Federal Fluminense.

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O debate do InEAC-UFF foi um dos mais de 20 alvos de zoombombing, um tipo de ataque às transmissões online – lives, aulas, palestras etc – que vem acontecendo durante a pandemia de covid-19. O último caso aconteceu na noite desta sexta-feira, 11. Em comum, os eventos traziam temas identificados com ideias progressistas – racismo, feminismo, preservação da Amazônia, violência policial e relações entre civis e militares – ou com críticas ao governo federal. E os hackers, na maioria das vezes, apresentavam-se como bolsonaristas.

“O ataque foi orquestrado por meio de grupos de WhatsApp de policiais no Brasil que receberam a ‘ordem’ de atacar”, afirmou a professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da UFF. Os envolvidos na ação não conseguiram derrubar o evento, mas perturbaram a transmissão com gracejos, ofendendo as professoras que participavam da live: a própria Jacqueline Muniz e suas colegas Jacqueline Sinhoreto e Marlene Spaniol.

Palestra da professora Maria Helena de Castro Santos, da UnB, foi invadida com xingamentos e pornografia; foi preciso criar novo link. Foto: Reprodução de vídeo

“Se o bicho pegar liguem para o WhatsApp dos Vingadores ou pra Liga da Justiça”, escreveu um invasor. Houve ainda ofensas misóginas e comentários políticos. “Deslike (sic) pesado! Vamos passar menos vergonha, esquerda!”, afirmou outro. Ninguém pareceu se importar com o fato de que Marlene – que mediou o encontro – ser também major da Brigada Militar. Por fim, mandaram as debatedoras cuidar de tarefas domésticas.

Pornografia

Em dois casos, os professores procuraram a polícia para prestar queixa – em Minas e no Rio Grande do Sul – de crime cibernético. As ações afetaram transmissões de universidades federais e estaduais de pelo menos nove Estados e do Distrito Federal. Na maioria das vezes, os atacantes invadiram salas de aplicativos, como o Zoom – daí o nome de zoombombing – e o Google Meet. Passaram a exibir imagens pornográficas e a xingar os participantes. Também fizeram barulhos e gracejos e tocaram músicas para impedir que os debatedores fossem ouvidos. Foi o que aconteceu às 19h40 de 19 de agosto com a professora Maria Helena de Castro Santos, do Instituto de Relações Internacionais (IREL), da Universidade de Brasília (UnB).

Havia 40 minutos que ela começara a falar quando, de repente, a audiência na plataforma online deu um salto. Em segundos, começaram os ruídos desconexos, a música alta, os xingamentos, os gracejos e a pornografia. Quem tentava acompanhar a palestra sobre as relações entre civis e militares, como o capitão de mar e guerra José Gustavo Poppe de Figueiredo e o professor Matias Specktor, não conseguia mais ouvir a professora. “São práticas fascistas, ataques à liberdade de expressão”, afirmou a professora.

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Para deter o ataque em Brasília, a organização tentou retirar os perfis falsos – uma dezena – que invadiram a sala do Google Meet, mas eles voltavam. Foi preciso reiniciar o encontro em novo link para prosseguir. Na operação, metade dos alunos perdeu a sequência da aula.

No Ceará, foram registrados dois ataques. O último deles foi ao curso Forças Armadas e a Construção da Nação, da Universidade Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). Ali também pornografia e mensagens pró-Bolsonaro interromperam a aula de dois professores. Cerca de 15 perfis falsos foram usados na ação.

Unicamp

Em São Paulo, hackers atingiram o webinário Atlântico Negro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A sala do evento foi invadida por vozes e imagens que impediram a professora Lucilene Reginaldo de falar. O reitor Marcelo Knobel classificou o ato como “racista”. “Ao gesto mesquinho que procura intimidar o conhecimento e a verdade, interpomos nosso compromisso de que continuaremos ao lado do cidadão e da cidadania, promovendo a universidade como espaço plural”, disse em nota.

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Na noite de sexta, 11, aconteceu o terceiro ataque a um evento do InEAC. Entre os participantes da live Cultura e Racismo estava a cineasta Éthel de Oliveira, que dirigiu o documentário Sementes, mulheres pretas no poder. As vozes dos debatedores ficaram inaudíveis até que o invasor anunciou: “Bolsonaro!”

Responsável pela transmissão e coordenador do Laboratório de Estudos Multimídia do InEAC, Claudio Sales, afirmou que perdeu o controle do computador na transmissão, algo novo em relação às ações anteriores. Segundo ele, no primeiro ataque, os hackers usaram imagens de videogames de guerra para derrubar um evento. Para evitar ações desse tipo, as transmissões passaram a ser geradas por meio de um aplicativo e transmitidas pelo YouTube.

De acordo com Sales, o segundo ataque atingiu o debate das professoras sobre a polícia e usou robôs em um chat para inviabilizar a participação da audiência, que deseja enviar perguntas. “Quando isso acontece, só nos resta fechar a seção de comentários.” Contra a ação, Sales ainda não sabe o que fazer. Até agora, nenhum dos hackers foi identificado.

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Senha em eventos e chat fechado

Para enfrentar a ação dos hackers contras suas transmissões, professores passaram a adotar medidas de segurança para dificultar a vida dos vândalos da internet e grupos bolsonaristas. A primeira das ações foi parar de divulgar os links das salas em que seriam dados cursos, aulas e eventos. “Muitos ficavam expostos em páginas e sites de institutos para que um maior número de pessoas pudesse participar do evento”, contou a professora Maria Helena de Castro Santos, da UnB. Além de não expor mais links, os administradores estão usando versões pagas de aplicativos, como o zoom e o google meet que permitem maior controle do acesso a eventos. Também estão restringindo a audiência às pessoas que recebem por e-mail o convite com senha e link. Outra forma é fazer a transmissão nas redes sociais, permitindo só perguntas por meio de chats.

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