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Bastidores da política que movimentam a economia

Opinião|Socorro ao RS pode ser novo foco de atrito entre Congresso e governo Lula

Todos concordam que a calamidade que atingiu os gaúchos demanda ação rápida e ajuda financeira imediata. A diferença está no como fazer

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Foi concomitante. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, recorreu às suas redes sociais na tarde desta segunda-feira, 6, para dizer que não seria necessário mudar a Constituição para socorrer o Rio Grande do Sul, assolado por uma das maiores tragédias climáticas que já atingiu o Estado.

Quase ao mesmo tempo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, falava em sinal contrário: “Na pandemia, usamos a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] de Guerra para permitir a alocação de recursos. Podemos pensar em medida parecida”, afirmou. “A atipicidade da situação no Rio Grande do Sul impõe medidas igualmente excepcionais e atípicas”.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, defendeu que não seria necessário mudar a Constituição para socorrer o Rio Grande do Sul Foto: Washington Costa/MPO

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Todos concordam que a calamidade que atingiu os gaúchos demanda ação rápida e ajuda financeira imediata. A diferença está no como. Enquanto senadores, deputados - e até o próprio PT - começavam um movimento pela mudança na Constituição para incluir um “orçamento de guerra”, o Executivo agiu rápido para socorrer o Rio Grande do Sul, sem ter de colocar em risco a área fiscal. A tradução: tapar de todas as formas os buracos pelos quais poderão passar, não o socorro para quem precisa, mas alterações oportunistas que não respeitam nem as piores tragédias.

Lula, diferentemente das chuvas do fim do ano passado, quando demorou a ir ao Sul, agora mobilizou todo o seu governo e foi duas vezes ao Estado pessoalmente para acompanhar o andamento. Viu o impacto que teve naquela ocasião e o que poderia ter ocorrido em sua popularidade, já em baixa, desta vez e respondeu prontamente.

No quesito dinheiro, disse que não faltará, e convocou os parlamentares a mandarem umas emendas também para ajudar. O petista enviou ontem ao Congresso Nacional um projeto de decreto legislativo, o que permite que a União não compute no resultado primário deste ano o que for gasto com as consequências do evento climático no território gaúcho. Tudo combinado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que colocou ontem mesmo para votar o projeto.

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Já Pacheco não parece estar tão convencido assim de que só isso será suficiente. Ainda que o Senado também aprove o decreto que tira da meta os gastos com o RS, a pressão por mais flexibilizações deve continuar no Congresso, inclusive com o apoio do próprio PT, que ontem soltou nota a favor da PEC e do “orçamento de guerra”.

Diante disso, a equipe econômica tenta proteger as contas públicas em algumas frentes. Primeiro, tenta preservar a meta fiscal. A legislação já prevê a abertura de crédito extraordinário para atender despesas advindas de calamidades públicas. Esses recursos, porém, entram na conta do resultado do ano, alvo já apertado em 2024, poderia ter que ser mudado. Aí seria aberto um atalho para alterar a meta para outros fins. Melhor evitar.

Por isso, o projeto de decreto legislativo. Mesmo com o PDL, porém, ainda será necessária a abertura de créditos extraordinários via medida provisória. A equipe econômica tenta também evitar o aumento desenfreado da dívida pública ao trabalhar contra a criação de um “orçamento de guerra”, ou de uma PEC para esse fim.

Como mostrou o Broadcast, a diferença entre o crédito extraordinário e a emenda constitucional é que, enquanto o primeiro libera recursos, a segunda flexibiliza regras que podem, por exemplo, permitiam a contratação temporária de pessoal sem prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa, além de contratação de obras, serviços e compras sem licitação. O céu é o limite - ou o que for incluído na PEC.

O foco do governo é evitar o que aconteceu com o “orçamento de guerra” aberto para o enfrentamento da covid-19. Se a pronta resposta à pandemia era mais do que necessária - apesar de o ex-presidente Jair Bolsonaro não ter utilizado a rapidez necessária na compra imediata de vacinas - a PEC que excepcionalizou gastos abriu também a porteira para permitir o uso descontrolado e populista dos recursos, especialmente no ano das eleições.

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Não dá para esquecer que este ano também temos eleições municipais e, daqui a dois, uma nova rodada nacional. O socorro rápido e irrestrito aos atingidos pela tragédia é inquestionável, deve ser cobrado e estimulado. A má alocação do dinheiro público para promoção pessoal dos políticos, não.

Opinião por Lorenna Rodrigues

Editora do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, em Brasília. Jornalista desde 2006, especialista em Orçamento, Planejamento e Gestão Pública e em Desenvolvimento Econômico.

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