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Opinião|Lula incorre em política narcisista ao anunciar expansão da refinaria Abreu e Lima

Lula tentou vender a versão de que foi a Lava Jato que prejudicou o projeto, seguindo à risca conselho que deu a Nicolás Maduro de criar sua própria narrativa

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Foto do author Diogo Schelp
Atualização:

Uma das características do comportamento narcisista é a incapacidade de admitir os próprios erros e de aprender com eles. Entre as formas de contornar as consequências de um erro é se fazer de vítima e atribuí-lo a outras pessoas, desviar a atenção para assuntos paralelos ou simplesmente repeti-lo com grande fanfarra para provar que, no fundo, não foi um erro. O presidente Lula fez tudo isso na semana passada ao inaugurar a retomada das obras da inacabada e superfaturada refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Em seu discurso, o presidente disse acreditar que os autores das denúncias que o levaram à prisão no âmbito da Lava Jato queriam levá-lo ao suicídio como Getúlio Vargas, e atribuiu o contexto daquelas investigações a uma conspiração coordenada pelos Estados Unidos para destruir a Petrobras. De concreto, o evento marcou o anúncio de um investimento de quase R$ 8 bilhões até 2027 para expandir Abreu e Lima, com o objetivo de dobrar sua capacidade de refino.

Lula e Jan Paul Prates, presidente da Petrobras, no anúncio da retomada das obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco Foto: Ricardo Stuckert/PR

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A refinaria que leva o nome de um general brasileiro que lutou ao lado do revolucionário venezuelano Simón Bolívar, no século XIX, foi um mico gestado no primeiro governo Lula que custou sete vezes mais do que o inicialmente previsto, mesmo tendo sido concluída só pela metade. A obra já era considerada um erro do ponto de vista estratégico-comercial, e os indícios de superfaturamento existiam mesmo antes do início da agora desmoralizada Operação Lava Jato, que apontou corrupção em sua construção.

Idealizada como uma joint-venture entre o Brasil e a Venezuela nos governos Lula-Chávez, o projeto de Abreu e Lima enfrentava a resistência dos técnicos da PDVSA, a petrolífera estatal venezuelana, que reclamavam do seu custo de construção, e da Petrobras, que consideravam abusivo o preço a ser pago pelo petróleo venezuelano que seria refinado nas novas instalações.

Lula ordenou que as obras da refinaria fossem iniciadas (segundo ele próprio admitiu em 2007) mesmo com as desavenças entre Petrobras e PDVSA e mesmo sem a contrapartida de investimento da Venezuela. Anos depois, em 2012, a então presidente Dilma Rousseff também interveio diretamente com o intuito de que a Petrobras aceitasse as parcas garantias apresentadas pela Venezuela para confirmar sua participação na refinaria. Abreu e Lima entrou em operação em 2014, incompleta e sem nunca ter recebido um centavo do governo venezuelano.

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Em um estudo publicado naquele mesmo ano, o pesquisador Guy Emerson apresentou o caso da refinaria Abreu e Lima como um exemplo de como a vontade política do presidente pode se sobrepor a aspectos técnicos e estratégicos que apontam no sentido contrário do que ele pretende fazer. A única explicação plausível até então para a insistência de Lula e Dilma em enterrar bilhões de dólares na construção de Abreu e Lima era o desejo de mostrar um alinhamento ideológico com o chavismo. O tempo mostrou que havia uma motivação mais forte para investir em projetos de integração com a Venezuela: a necessidade de atender aos interesses de construtoras brasileiras com contratos lucrativos, muitas vezes sem licitação, junto ao governo de Chávez.

Contra todos esses fatos, em seu discurso da semana passada, Lula tentou vender a versão de que foi a Lava Jato que prejudicou o projeto da refinaria Abreu e Lima. Ele estava seguindo à risca o conselho que deu ao ditador venezuelano Nicolás Maduro em maio do ano passado, de construir sua própria narrativa, “infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”. Para Narciso, um erro não é um erro se ele puder ser narrado como acerto.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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