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Lula agora afirma nunca ter igualado Rússia e Ucrânia na guerra

Petista diz que sabe separar o que é invasão do que é ‘integridade territorial’; Brasil e Portugal assinam 13 acordos de cooperação

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Foto do author Isadora Duarte
Por Cristina Canas (Broadcast) e Isadora Duarte (Broadcast)
Atualização:

LISBOA, ENVIADA ESPECIAL – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar que nem a Rússia nem a Ucrânia querem parar a guerra, mas, diferentemente de recentes declarações já feitas sobre o conflito, disse agora que nunca equiparou as responsabilidades dos dois países. “Eu nunca igualei Rússia e Ucrânia. Sei o que é invasão e o que é integridade territorial”, disse o petista neste sábado, em evento oficial em Lisboa. “Mas agora a guerra já começou e alguém precisa falar em paz.”

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O presidente brasileiro chegou a Portugal na sexta-feira e seguirá para a Espanha na terça-feira. É a primeira viagem do petista à Europa no terceiro mandato. Lula foi recebido pelo presidente Marcelo Rebelo em cerimônia no Mosteiro dos Jerónimos, onde fica o túmulo de Luís de Camões.

Mais tarde, participou da XIII Cimeira Luso-Brasileira, no Centro Cultural de Belém, com o primeiro-ministro português, António Costa. No encontro entre os dois líderes, foram assinados 13 acordos de cooperação em diferentes áreas, como saúde e educação, entre eles a validação de diplomas universitários.

Apesar da mudança de tom em relação à guerra, Lula afirmou, quando esteve em Abu Dhabi, que a responsabilidade pela invasão russa na Ucrânia era tanto de Moscou quanto de Kiev. “A decisão da guerra foi tomada por dois países”, afirmou na ocasião. A Ucrânia, no entanto, é vítima de uma invasão deflagrada pelo presidente russo, Vladimir Putin, em fevereiro de 2022.

Lula foi questionado várias vezes por suas falas, o que ofuscou os primeiros eventos em Lisboa. De acordo com o petista, o Brasil busca restabelecer a paz – ele chegou a propor a criação de um G-20 para negociar o fim do conflito. “No caso da guerra, a Rússia não quer parar e a Ucrânia não quer parar”, afirmou. “Pois bem, temos de encontrar países que, em relação de confiança, queiram sentar e conversar e parar a guerra”, disse.

‘Terceira via’

Sob pressão de políticos portugueses desde antes de sua chegada ao país europeu, o presidente brasileiro disse que a Rússia errou e afirmou que o Brasil condenou a agressão de Putin em resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo ele, porém, “agora é preciso parar a guerra”. “Estamos numa situação em que a guerra está fazendo mal para o mundo por problema de fertilizante, de comida. Em vez de escolher um lado, quero uma terceira via”, declarou o presidente.

Estados Unidos e União Europeia já reagiram de forma dura às falas de Lula. Após a pressão das potências ocidentais, Lula afirmou que não irá à Ucrânia, assim como não foi à Rússia. Anteontem foi anunciada a viagem a Kiev do assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, que já esteve com Putin em Moscou. Na semana passada, o chanceler russo, Serguei Lavrov, e o porta-voz da diplomacia ucraniana, Oleg Nikolenko, fizeram convites ao presidente brasileiro.

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Rebelo destacou que a posição portuguesa difere da brasileira em relação à guerra. “Portugal é solidário ao povo ucraniano, à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e à União Europeia e pensa que não é situação justa não permitir à Ucrânia defender-se e tentar recuperar o território que foi invadido com violação da integridade territorial e da soberania de Estado”, afirmou.

Ataques

Lula aproveitou o evento para mandar indiretas a antecessores sem citá-los. “O Brasil ficou isolado do mundo nos últimos quatro anos”, disse. O ex-presidente Jair Bolsonaro nunca visitou Portugal ao longo de seu mandato. “Destruíram tudo em quatro anos como praga de gafanhotos”, afirmou o presidente.

Em relação à recente crise no Gabinete de Segurança Institucional, que levou à demissão de seu primeiro ministro, o general da reserva Marco Gonçalves Dias, conhecido com G. Dias, Lula afirmou que tomará decisões quando voltar ao Brasil.

“Vou decidir essas coisas do GSI quando eu voltar. Vou tomar a decisão que eu achar mais importante para o Brasil”, disse Lula em entrevista coletiva, ao ser questionado se manterá o gabinete e, se mantido, se o órgão será comandado por um civil ou um militar.

Fome

Ao destacar sua postura, Lula relembrou ter atuado da mesma forma em seu primeiro mandato, quando os Estados Unidos ameaçavam invadir o Iraque. “Eu fui aos Estados Unidos e o (George W.) Bush pediu que o Brasil entrasse na guerra contra o Iraque. Eu respondi que minha guerra era contra a fome no Brasil. Hoje, outra vez, temos 33 milhões passando fome em nosso País. Essa é minha guerra”, discursou.

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Presidente de Portugal diz ter posição diferente em relação à Ucrânia

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, país que é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), disse que a posição portuguesa é diferente em relação à Ucrânia, por não apenas condenar a invasão russa à Ucrânia e por entender que o caminho da paz é permitir à Ucrânia que possa se defender e recuperar seu território. “Portugal é solidário ao povo ucraniano, à Otan e à União Europeia e pensa que não é situação justa não permitir à Ucrânia defender-se e tentar recuperar território que foi invadido com violação da integridade territorial e da soberania de Estado”, disse.

Sobre o papel de Brasil e Portugal no conflito, Rebelo afirmou que ambos procuram pontes de entendimento e que votaram “sempre do mesmo lado” nas resoluções da ONU. “Procuramos pontes de entendimento. Compete às autoridades de cada país, desenvolver o que consideram prioridade a cada país. Para Portugal, país que é aliado à Otan, a linha é uma de apoio à Ucrânia”, observou Rebelo.

Em discurso de boas-vindas a Lula, Rebelo disse que a paz no mundo pressupõe retirada das forças armadas da Rússia da Ucrânia. “Paz para ser duradoura e justa, nos termos da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas votada em fevereiro por Brasil e Portugal, pressupõe a disponibilidade da federação russa de retirada imediata das forças armadas”, disse Rebelo, em entrevista coletiva a jornalistas ao lado de Lula.

Rebelo se dispôs também a ajudar o Brasil a retirar brasileiros que estão no Sudão em meio aos conflitos que ocorrem no país. “O presidente sabe melhor que eu quando Portugal ou União Europeia pode desenvolver papel de ajuda em relação a esses irmãos brasileiros”, disse.

O presidente português mencionou a cimeira luso-brasileira, na qual serão assinados pelo menos 13 acordos de cooperação entre os países. “Teremos cimeira para tratar dos nossos povos e dos irmãos brasileiros, para construir o futuro na inovação científica, na energia, na economia, no plano civil e militar multilateral e bilateral”, defendeu Rabelo.

Rabelo resgatou elogios anteriores feitos ao presidente Lula, destacando que é um dos “líderes” do seu tempo e citando em generosidade. “Sejam bem-vindos a esta pátria que tanto deve aos irmãos brasileiros”, disse ao cumprimentar Lula e a primeira-dama Janja.

Em visita a Portugal, Lula se encontra com presidente português, Marcelo Rabelo Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula pede nova governança na ONU

Lula defendeu o estabelecimento de uma “nova governança mundial” com maior número de países no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). “É preciso que mais países e continentes entrem no Conselho de Segurança da ONU e restabelecer uma nova geografia, porque a geografia de 1945 não é a mesma. Não podemos continuar com membros do conselho fazendo guerra. Eles são membros do conselho, decidem a guerra sem sequer consultar o conselho. Foi assim nos Estados Unidos contra o Iraque, na Rússia contra a Ucrânia, na França e Inglaterra contra a Líbia”, afirmou Lula.

“Ou seja, eles mesmos desrespeitam as regras do Conselho de Segurança. Por isso, o Brasil está brigando para convencermos outros países para termos uma ONU mais representativa e acabar com o direito de veto”, prosseguiu Lula.

Ainda sobre a necessidade de uma nova governança mundial, Lula criticou que as decisões tomadas nas Conferências sobre a Mudança do Clima da ONU (COPs) não são implementadas e voltou a pedir mudança no conselho da ONU para que as decisões ambientais possam valer. “Estamos falando de mudanças na governança mundial. Não adianta tomarmos decisões nas dezenas de COP que fazemos para discutir, mas se você não tiver uma governança forte para exigir o cumprimento das decisões a gente vai na reunião, toma as decisões e no ano seguinte fazemos outra e as decisões nunca entram em vigor, porque quando tentamos aprovar no Estado nacional muita gente não consegue”, destacou.

Ele mencionou que o Acordo de Copenhague, o Acordo de Paris COP e o Protocolo de Kyoto até hoje não foram postos em prática. O presidente reforçou a reivindicação do Brasil de realizar a COP30 em 2025 no Pará. “Um Estado amazônico para as pessoas verem o que é Amazônia”, justificou.

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