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Policial ligado a cofre apreendido pela PF tem contrato milionário com estatal controlada por Lira

CBTU em Alagoas é controlada por aliados do presidente da Câmara; policial investigado tem empresa que presta serviço para estatal

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Foto do author Julia Affonso
Foto do author Daniel  Weterman
Por Julia Affonso e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Sob controle político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a superintendência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em Maceió, mantém contrato milionário com uma empresa controlada pelo policial civil alvo da operação que mira fraude em licitações de robótica em Alagoas. A Polícia Federal apreendeu, na investigação, uma mala e um cofre lotados de dólares e notas de R$ 50 e R$ 100 em um escritório ligado ao agente, na capital alagoana.

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Murilo Sergio Juca Nogueira Junior é policial civil em Alagoas e próximo a Lira. Nas eleições de 2022, o agente emprestou uma caminhonete Hilux para a campanha do então candidato a deputado federal. O serviço foi calculado em R$ 4 mil e entrou na prestação de contas do presidente da Câmara como uma doação estimada.

O policial civil aparece nas investigações como destinatário de R$ 550 mil do empresário Edmundo Leite Catunda Júnior, sócio da Megalic LTDA - fornecedora de kits de robótica para municípios alagoanos -, entre 24 de abril e 23 de outubro de 2020. A PF identificou que a empresa enviou outros R$ 300 mil a Nogueira Júnior entre 2 e 31 de janeiro de 2020. De acordo com as apurações da Polícia Federal, os contratos superfaturados de dezenas de prefeituras para compra de kits estão no centro do esquema, efetivado por meio do repasse de emendas do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

Cofre com dinheiro encontrado pela PF durante Operação Hefesto, em Brasília Foto: Polícia Federal

Além do trabalho como policial civil, pelo qual recebe um salário de R$ 10,5 mil, Nogueira Júnior atua no ramo empresarial. Ele controla cinco empresas especializadas em atividades, que vão desde obras de urbanização, à montagem de sistemas de iluminação e controle de pragas, prestação de serviços de atividades de vigilância e segurança privada.

Em 2020, uma dessas empresas, a Reluzir Serviços Terceirizados LTDA, fechou um contrato de R$ 1 milhão pela contratação de porteiros e recepcionistas para a superintendência da CBTU em Alagoas por um ano. O acordo, que já foi prorrogado duas vezes e também reajustado, está em vigor até o próximo dia 27 de junho. Os serviços exigem porteiro com “boa aparência” para trabalhar nas estações do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), conforme os documentos da CBTU. A Reluzir recebeu R$ 2,9 milhões da companhia de trens nos últimos três anos.

Nogueira Júnior se tornou sócio da Reluzir em abril de 2019, cerca de 10 meses antes de a licitação ser feita. A empresa é especializada em limpeza, fornecimento e gestão de recursos humanos, pintura para sinalização em pistas rodoviárias e aeroportos, obras de terraplanagem e serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas.

Na CBTU, o contrato foi assinado pelo superintendente Carlos Jorge Ferreira Cavalcante. Ele é irmão do ex-assessor de Lira e também investigado pela Polícia Federal, Luciano Cavalcante. O reajuste e as extensões do acordo foram chancelados pelo chefe da CBTU e também pela gerente regional da companhia, Orleanes de Lira Paes Angelo, que é prima de Arthur Lira.

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A Reluzir conseguiu o contrato após vencer um pregão contra outras 42 empresas. Durante a licitação, uma das concorrentes acusou a empresa do policial de apresentar um preço inexequível, ou seja, de apresentar valores baixos demais e que, na prática, não conseguiriam ser praticados no mercado para vencer o pregão.

O edital previu a contratação de 35 profissionais. A maior parte ficaria na sede, em Maceió. Outros três no município de Rio Largo e um em Satuba. Os profissionais deveriam ter honestidade, discrição, ética, rapidez no atendimento, boa aparência e comunicação verbal.

Pelo edital, a empresa vencedora teria de prestar o serviço de portaria e também arcar com os uniformes dos profissionais. A Portocalle Comércio e Serviços Gerais protestou contra os preços apresentados pela Reluzir para as roupas dos empregados e pediu sua desclassificação da licitação.

“Em ligeira análise da planilha apresentada pela empresa Reluzir observamos um verdadeiro milagre a empresa conseguir cotar o valor de uma calça social e de uma blusa social por apenas R$ 15″, alegou a Portcalle. “Gostaríamos de saber até onde fica esse distribuidor com preços tão bons? Pois sabemos que no nosso mundo real uma calça social não custa apenas R$ 15 e uma camisa social não custa apenas R$ 15. Mas uma tentativa de fechar uma planilha inexequível.”

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Os recursos contra a Reluzir foram rejeitados pela Comissão de Licitação. A decisão do grupo foi chancelada pelo superintendente Carlos Cavalcante.

Em nota, a CBTU informou que a licitação que deu origem ao contrato “seguiu rigorosamente todos os trâmites, princípios e normas existentes na gestão pública, não sendo objeto de qualquer questionamento por órgãos de controle”. Segundo a companhia, o serviço de portaria e recepção “é prestado regularmente, sem qualquer problema em sua execução”.

“Por ora, ele (contrato) continua com sua vigência normal, respeitando todos os procedimentos legais existentes, haja visto que a contratada cumpre todas as suas obrigatoriedades”, afirmou a estatal.

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A defesa de Murilo Sergio Juca Nogueira Júnior não foi localizada.

O advogado André Callegari, que defende o ex-assessor de Lira, afirmou que até agora “só há imagens na investigação e que elas isoladamente não indicam nenhum ato ilícito praticado pelos investigados, muito menos por Luciano, que sequer aparece nelas”. Segundo ele, “os fatos serão devidamente esclarecidos no decorrer das investigações e após a conclusão do inquérito”.

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