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As relações entre Executivo e o Congresso

Opinião|Pausa no aumento de impostos expõe limites para política econômica de Lula

Equipe econômica deve interromper envio de novas medidas de arrecadação pelos próximos meses; mas necessidade de perseguir metas fiscais de 2025 em diante continuará a testar limites da relação entre governo e Congresso

Foto do author Silvio Cascione

Na semana passada, comentei nesta coluna sobre a falta de credibilidade da política fiscal do Brasil, especialmente pela falta de medidas de controle de despesas. Praticamente todo o esforço de redução do déficit orçamentário está concentrado no aumento de receitas, especialmente pela arrecadação de impostos. Vale a pena voltar ao tema, pois há sinais de esgotamento dessa estratégia – o que reforça ainda mais a importância de revisão dos gastos públicos.

Compreender bem essa questão é importante não apenas para projetar o cenário político e econômico como um todo, mas também para os contribuintes entenderem os riscos de novos aumentos de imposto; os riscos são menores nos próximos meses, mas voltarão a subir no fim do ano.

O ministro da fazenda Fernando Haddad durante a cerimônia de lançamento do programa Acredita, realizada nesta semana em Brasília  Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

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O principal sinal de cansaço vem do Congresso. Neste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem enfrentado mais dificuldades para emplacar suas propostas, mesmo contando ainda com a boa vontade das principais lideranças. Uma das prioridades tributárias do governo, a reoneração da folha de pagamento, foi escanteada pelos parlamentares. Outras medidas, como a revisão do programa de incentivos ao setor de eventos (Perse), foram ou serão aprovadas, mas com mudanças mais profundas do que as medidas enviadas por Haddad em 2023. Ainda há espaço no Congresso para negociações, pois a maioria dos parlamentares de ambas as casas continua a ver vantagem na cooperação com o governo – em troca de influência sobre cargos e emendas. Mas a resistência a medidas amargas vem crescendo, o que já era esperado.

Ciente dessas dificuldades, que tendem a crescer conforme se aproxime a eleição municipal em outubro, o governo tem sinalizado que fará uma pausa no envio de novas medidas de arrecadação. A favor do governo está o fato de que as medidas tomadas até agora estão funcionando, o que reduz um pouco o senso de urgência. Além disso, outros fatores aumentaram a chance de cumprimento da meta fiscal de déficit zero em 2024. A recente alta do petróleo, por exemplo, pode elevar a receita do governo em pelo menos R$20 bilhões por ano a cada US$10 de aumento no barril, segundo um membro da equipe econômica.

O governo, então, com menos pressa e enfrentando mais resistência, tem bons incentivos para interromper os aumentos de impostos por ora. Mas isso deve durar apenas alguns meses. Já em agosto, na apresentação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2025, ficará novamente exposta a necessidade de aumentar as receitas em pelo menos R$50 bilhões para cobrir o déficit do ano que vem. Porém, dificilmente haverá espaço para propor qualquer nova medida ao Congresso nessa ocasião, por causa das eleições. Qualquer aumento de tributo que dependa de aprovação legislativa terá que esperar até, no mínimo, outubro, com grande risco de ficar para 2025.

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Sem controle efetivo das despesas, e com menos opções para aumento de receitas, a política fiscal do governo continuará a ser o principal calcanhar-de-Aquiles do Brasil aos olhos dos investidores e empresários, com muita desconfiança sobre a capacidade do país estabilizar a sua dívida. No fundo, essa situação, ainda sem solução clara, apenas evidencia o “trilema” diante de Lula, que tem objetivos irreconciliáveis: quer continuar aumentando os gastos e investimentos, sem gerar uma crise de confiança no mercado, e sem elevar os impostos a ponto de impedir o crescimento da economia. Quanto piores as condições externas, mais difícil gerir esses objetivos conflitantes, e maiores as incertezas sobre o cenário político e econômico do país.

Opinião por Silvio Cascione

Mestre em ciência política pela UNB e diretor da consultoria Eurasia Group

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