O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reafirmou nesta quinta-feira, 7, em Paris, que a decisão sobre a concorrência para a compra de caças para Aeronáutica será política, ainda que leve em consideração o parecer técnico elaborado pela Força Aérea Brasileira (FAB). Mais: em referência indireta ao Gripen NG, da fabricante sueca Saab - ainda que sem citar o nome da empresa -, o chanceler afirmou: "O barato às vezes sai caro". Durante sua agenda na capital francesa, o ministro tratou do tema com o conselheiro diplomático do Palácio do Eliseu, Jean-David Levitte.
Veja também
Amorim esteve em Paris para participar do seminário Novo Mundo, Novo Capitalismo, promovido pelo governo da França e realizado na Escola Militar. Antes de se apresentar, o chanceler ouviu múltiplos afagos do presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao Brasil. Ao se pronunciar, fez uma análise da crise econômica e da reforma do sistema financeiro, tema do colóquio.
Na sua saída, entretanto, o ministro falou à imprensa sobre a polêmica envolvendo a licitação para a compra dos caças, batizada FX-2, e, em especial, sobre os aviões Rafale, fabricados pela francesa Dassault e classificados por um relatório da Força Aérea Brasileira (FAB) como terceira e última opção, na concorrência com o sueco Saab Gripen NG e com o norte-americano Boeing F/A-18 Super Hornet.
Amorim reforçou a autonomia de que dispõe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para decidir o vencedor, mesmo que leve em consideração o relatório da FAB. "Caberá ao presidente, que lidera o País politicamente, tomar a decisão, levando em conta todos os dados, técnicos e outros". A seguir, sem citar nomes de companhias ou de aeronaves, o chanceler ponderou: "As vezes os técnicos dão uma impressão que vai num sentido e muitas vezes o barato sai caro".
O argumento foi um contraponto indireto à opinião da Aeronáutica, cujo relatório avaliou que um dos fatores que deveriam levar o Gripen NG à vitória na concorrência seria o preço. A Saab promete fornecer dois jatos pelo preço de um Rafale. "É claro que os dados técnicos também são importantes, mas outras considerações também são importantes", ressaltou. "Não estou diminuindo o valor do trabalho feito (pela FAB), nem estou dizendo que ele é o único fator."
Horas depois, ao deixar uma reunião-almoço em Marignan, um anexo do Palácio do Eliseu, Amorim confirmou ter tratado da venda dos caças com o conselheiro diplomático, Jean-David Levitte, e com o conselheiro de Américas do Palácio do Eliseu, Damien Loras. O tema teria sido, garantiu, uma pequena parte da pauta. "Eles estavam interessados, e eu ficaria surpreso se não estivessem", disse o chanceler. "Eu disse: 'Olha, não sou eu quem negocia isso'." Segundo Amorim, os representantes franceses tocaram "brevemente" no assunto e se disseram "serenos" sobre o resultado da F-X2. "A palavra que Levitte usou sempre foi 'serenidade'".
Silêncio
Desde setembro, o Palácio do Eliseu guarda silêncio sobre as tratativas com o Brasil. A mesma atitude tem a Dassault, que desde o início da polêmica com a FAB não se manifestou em público.
As afirmações de Amorim são um forte sinal de que o governo brasileiro deverá optar pelos caças franceses. Em setembro, durante uma visita do presidente Nicolas Sarkozy a Brasília, Lula havia manifestado a sua preferência pelo Rafale.
A polêmica sobre a decisão do governo brasileiro ganhou força nos últimos dias depois do vazamento de um relatório da FAB que colocava o Gripen como o preferido do Comando da Aeronáutica e deixava o Rafale em terceiro e último lugar entre os finalistas. A FAB reagiu, afirmando ainda não ter encaminhado o relatório ao Ministério da Defesa - pasta responsável pela negociação junto à Presidência da República.
Em reportagem publicada nesta quinta-feira, entretanto, o Estado revelou que o relatório técnico que o Comando da Aeronáutica apresentará ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, não vai conter uma "hierarquização" das propostas internacionais. A FAB iria recomendar o Gripen NG, da empresa sueca Saab, mas foi pressionada pelo governo e não entrará no mérito de qual a melhor opção para o projeto FX-2, que prevê a compra de 36 caças.
A versão final do relatório já havia sido "reexaminada", para cortar do texto o ranking das propostas, quando o documento foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. O novo texto deverá ser apresentado a Jobim na próxima semana. O vazamento foi interpretado pelo Palácio do Planalto como uma derradeira tentativa da Aeronáutica de constranger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a optar pelo caça sueco, o mais barato entre os três concorrentes.
Polêmica superada
Para o governo, essa polêmica já estava superada porque existe uma decisão política pró-Rafale. Esse compromisso foi explicitado durante visita ao Brasil do presidente da França, Nicolas Sarkozy, em setembro. Naquela ocasião, foi divulgado um comunicado conjunto no qual o Brasil sinalizava a intenção de comprar o avião francês. Em carta de próprio punho, Sarkozy se comprometeu a reduzir o preço do Rafale e a fazer uma "transferência irrestrita" de tecnologia na fabricação do caça.
Menos de um mês depois, porém, brigadeiros da Aeronáutica procuraram integrantes da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. Disseram que o sueco Gripen seria o mais adequado para a renovação da frota da FAB pela relação custo-benefício. Não foi só: expuseram com todas as letras os pontos fracos da proposta francesa.
Pelos números apresentados à época, o custo de operação do Gripen seria de US$ 4,5 mil por hora/voo; o do F-18, de US$ 10 mil; e o do Rafale, US$ 16 mil.
Com informações de Vera Rosa e Eugênia Lopes, de O Estado de S.Paulo