O jornalista e ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Armênio Guedes, que morreu nesta quinta-feira, 12, nasceu em 1918, em Mucugê, interior da Bahia, um ano depois da tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia.
Vinha de uma família numerosa, intelectualizada e humanista. Eram 11 irmãos, e os mais velhos faziam uma espécie de “tutoria” intelectual dos mais novos. O pai lapidava e negociava diamantes.
Quando a família se mudou para Salvador, Armênio tinha 4 anos. Fez o primário numa escola católica, mas aos 12 já se achava ateu e materialista. Começou a interessar-se por política durante a Revolução de 30, que terminou com Getúlio Vargas assumindo a Presidência provisória.
A atmosfera intelectual da época era influenciada pelo triunfo da revolução bolchevique e a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, então uma espécie de “farol da humanidade”; era ali que as pessoas de boa fé imaginavam que estivesse se materializando a grande utopia igualitária, antifascista e anti-imperialista.
Armênio Guedes começou a frequentar os círculos intelectuais de Salvador, entrou na Faculdade de Direito, e começou a participar da política estudantil pela frente de esquerda reunida na Aliança Nacional Libertadora, até que, influenciado pelo espírito do tempo e pelas tendências familiares, entrou no PCB, de onde só saiu em 1983.
Nos relatos que me fez durante as horas em que conversei com ele para a biografia Armênio Guedes, Sereno Guerreiro da Liberdade, sempre com a música de Beethoven ao fundo, seus olhos verdes brilhavam um pouco mais travessos quando falava de sua estada em Moscou, durante o curso de formação marxista-leninista, e durante os 8 meses em que esteve hospitalizado lá por causa de uma doença pulmonar mal diagnosticada.
O “camarada André”, seu codinome na época, não apreciava a formalidade dos hierarcas partidários nem a bajulação servil dos camaradas brasileiros aos burocratas soviéticos. Estava no hospital quando Stalin morreu e ficou um pouco asfixiado com aquele ambiente de desespero teatral (um tanto à moda norte-coreana na morte de Kim Jong-il) pelo desaparecimento do Guia Genial dos Povos.
Conviveu com Luiz Carlos Prestes, de quem foi até guarda-costas, e embora nunca tenha rompido com ele, não se guiava por sua ortodoxia. Depois do golpe de 64, foi um dos mentores da decisão do partido de não engajar-se na resistência armada e lutar pela redemocratização do País pela via democrática e parlamentar. Tornou-se simpatizante das ideias do “eurocomunismo” e admirador do líder comunista italiano Enrico Berlinguer, com quem esteve algumas vezes, durante o seu exílio pós-64.
Foi casado com Zuleika Alambert, comunista histórica, e depois com Cecilia Consolmagno, e não teve filhos, embora seu temperamento gentil, suave, atencioso e fraterno tenha deixado tantos amigos órfãos.
Depois da redemocratização, trabalhou na Gazeta Mercantil e na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, até morrer aos 96 anos, defendendo a esquerda democrática e acreditando na democracia como valor universal.
*JORNALISTA, AUTOR DA BIOGRAFIA ‘ARMÊNIO GUEDES, SERENO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.