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Ação na Cracolândia pode espalhar usuários, mas facilita trabalho da PM, diz vice-governador de SP

Escolhido para liderar projeto na região, Felicio Ramuth diz que a dispersão facilita a ação dos profissionais de saúde e as ações policiais

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

Vice-governador de São Paulo, Felicio Ramuth (PSD) foi escolhido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para liderar uma ação conjunta entre o governo do Estado e o poder municipal para a Cracolândia, local marcado pela concentração de usuários de drogas e álcool e também por vulnerabilidades sociais relacionadas à moradia, saúde básica e alimentação e assistência social.

Vários planos foram implementados nos últimos 30 anos. Na gestão de Fernando Haddad (PT), o foco era a redução de danos, ou seja, controle do uso, sem interrompê-lo necessariamente, e a inserção social. Com João Doria (PSDB), o foco foram as ações policiais, a medicalização e a internação pela abstinência. A gestão Ricardo Nunes (MDB) incorporou algumas dessas diretrizes e provocou a dispersão dos usuários. Hoje, são seis ou oito cenas de uso aberto de drogas que totalizam cerca de mil pessoas nas contas da Prefeitura.

Ramuth afirma que ouviu especialistas de várias orientações ideológicas para, segundo ele, resgatar e corrigir falhas dos programas anteriores Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

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Ramuth afirma que ouviu especialistas de várias orientações ideológicas para, segundo ele, resgatar e corrigir falhas dos programas anteriores. A proposta atual é marcada pelo aumento das vagas de internação e trabalho conjunto entre os poderes municipal e estadual.

O vice-governador admite que as novas ações podem dispersar ainda mais os usuários de droga, mas acredita que a distribuição de agentes da PM ajuda a conter problema. Nos últimos meses, comerciantes e moradores do centro têm reclamado da dispersão de usuários e problemas como bloqueio de vias e arrastões.

Como acabar com a Cracolândia?

Não existe bala prata ou solução mágica. Existe trabalho constante que envolve as políticas públicas de saúde, segurança e assistência social. Estive com Suplicy, padre Júlio Lancelotti, a ouvidoria da PM e representantes de clínicas particulares. Nós selecionamos os pontos comuns. Temos quatro diretrizes: a abordagem qualificada dos usuários, mais oportunidades de tratamento, integração entre Prefeitura e governo e o recadastramento das pessoas.

Como será essa abordagem? O assistente social vai ao fluxo com um policial?

São especialistas em dependência química, não necessariamente assistentes sociais. Pode ser um psicólogo ou outro profissional com experiência em dependência química e que será contratado pelo Estado. Ela estará acompanhada de uma viatura. Temos seis a oito cenas abertas de uso que serão visitadas. A primeira questão é a confiança. Esses profissionais convencem essas pessoas e levam para o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), que será a porta de entrada e que deve funcionar no novo formato no final de fevereiro.

Quais serão os critérios para encaminhamento para o tratamento?

Hoje temos vagas sobrando nos Centro de Atenção Psicossocial (Caps), grupos de mútua ajuda, comunidades terapêuticas e até mesmo de internações hospitalares. Se houver demanda maior, a prioridade será dos usuários das cenas abertas.

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Essa forma de abordagem não vai criar mais tensão entre os usuários?

Isso já foi feito lá atrás no programa Recomeço. Os especialistas apostam na abordagem qualificada. Principalmente agora, que não existe uma grande concentração de usuários. Isso é melhor. Espalhar não é ruim porque facilita a abordagem e as ações da polícia.

Espalhar não é ruim porque facilita a abordagem e as ações da polícia.

Felício Ramuth

A dispersão foi positiva?

A dispersão foi positiva. O problema é que as operações anteriores não vieram acompanhadas dos outros serviços, como a abordagem no local e o trabalho policial mais espalhado. A dispersão por si só não é negativa. Agora vamos correr para corrigir esses pontos que não aconteceram concomitantemente à dispersão.

Felício Ramuth, vice-governador, ao lado do governador Tarcísio Freitas e do prefeito Ricardo Nunes durante a apresentação do plano de atuação na Cracolândia Foto: Isadora de Leão Moreira/GOVERNO SP

Os frequentadores vão aceitar a abordagem?

Essa experiência de abordagem é baseada no “Consultório de Rua”. Ele é qualificado para a saúde, não para dependência química. Isso já existe nas cenas de uso. Esse é o exemplo.

A Cracolândia pode se dispersar ainda mais?

Sim, pode acontecer. A estrutura logística contratada prevê justamente esta dispersão. Afinal, a gente não tem a pretensão de achar que essas ações vão acabar com o consumo de drogas no Brasil. Pode acontecer uma dispersão. Hoje, vem gente do Brasil todo consumir drogas na região central de São Paulo. O centro vai deixar de ser terra de ninguém. Isso vai deixar de atrair pessoas.

Pode acontecer uma dispersão. Hoje, vem gente do Brasil todo consumir drogas na região central de São Paulo. O centro vai deixar de ser terra de ninguém. Isso vai deixar de atrair pessoas.

Felício Ramuth

Em caso de dispersão, a estratégia será mantida?

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Sim. Vamos manter as diretrizes com a dispersão com a abordagem qualificada, a ampliação das opções de tratamento. Também teremos as ações de segurança pública, com um policiamento mais espalhado pela região central.

O que acontece depois da abordagem?

No Cratod, eles serão recebidos por outros profissionais, como grupos de mútua ajuda, como Amor Exigente, coletivos, a presença de familiares, com a opção de internação numa clínica terapêutica, clínica de desintoxicação ou hospital geral. Nós vamos oferecer várias linhas de cuidado. Havia um medo de que nossa oferta fosse baseada em internação compulsória. Ela é apenas uma das opções.

Nos programas da Justiça Terapêutica, os frequentadores vão ter que optar entre a prisão e a internação. O réu primário, pego na Cracolândia pelo artigo 28, terá sua ficha suja ou poderá fazer o tratamento. Não é internação. É tratamento. Pode ser o Caps, um grupo de mútua ajuda com frequência comprovada. Ou ele deixará de ser réu primário. Outro exemplo envolve os condenados ao regime fechado com direito ao semiaberto ou aberto, mas descumprem as regras, como uso de drogas a céu aberto. Na audiência, ele pode optar pelo tratamento. Um usuário que roubou o celular pode ter esse atenuante de fazer o tratamento em vez de ir para a cadeia.

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O vice-governador admite que as novas ações podem dispersar ainda mais os usuários de droga, mas acredita que a distribuição de agentes da PM ajuda a conter problema Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

As ações de segurança pública estão em segundo plano neste momento?

Não. As ações da Polícia Civil vão continuar contra o tráfico de drogas, os receptadores, mas ela estará longe de ser midiática. Não teremos um anúncio sobre o fim da Cracolândia. Teremos 500 câmeras inteligentes em 7,5 quilômetros na região central. É uma das maiores concentrações de câmeras do mundo. A Atividade Delegada, coordenada pelo Município, terá 500 policiais e, por fim, o registro de ocorrências para fins judiciais feito no local.

Por que esse plano vai dar certo?

Estamos corrigindo pontos negativos das anteriores. Nunca existiu uma coordenação de esforços. Pela primeira vez, temos o vice-governador e o secretário de governo municipal juntos. Isso faz toda a diferença. Em vez de uma linha de tratamento, nós estamos oferecendo várias opções.

As vagas de internação já estão disponíveis enquanto o Aluguel Social começará a ser pago no final do mês de março. Mas o fim da Cracolândia não tem data.

Felício Ramuth

Quais são os prazos para o plano sair do papel?

O Cratod começa a funcionar no final de fevereiro. As câmeras inteligentes serão implementadas até o meio do ano, assim como o processo da Justiça Terapêutica. As vagas de internação já estão disponíveis enquanto o Aluguel Social começará a ser pago no final do mês de março. Mas o fim da Cracolândia não tem data.

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