Especialistas ouvidos pelo Estado apontam várias causas para as denúncias de tortura ficarem sem punição. Entre elas estão a suposta omissão de autoridades que deveriam coibir o crime, a dificuldade de se comprovar por meio de perícia a tortura de suspeitos, a falta de interesse de criminosos em denunciar o delito e até a banalização desse tipo de alegação por bandidos detidos. Haveria ainda dificuldade em diferenciar os crimes de lesão corporal, de constrangimento ilegal e maus-tratos do delito de tortura.
Foi assim no caso do investigador filmado dando uma surra em um comerciante de tapetes persas, em 2016, nos Jardins, na zona sul de São Paulo. A Corregedoria decidiu indiciá-lo por injúria, constrangimento ilegal, falsidade ideológica e corrupção. Mas o Ministério Público decidiu acusá-lo de tortura, o que levou à condenação do réu a 11 anos de prisão.
Para o advogado Martin Sampaio, os números mostram a omissão de agentes do Estado que não apuram os crimes. A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, disse que muitos dos casos são arquivados por insuficiência de provas, após soltura na audiência de custódia. “As vítima somem e toda alegação se perde. O número de denúncias é alto, mas o de condenações é perto de zero. O sistema de prova está errado.” Para o pesquisador Guaracy Mingardi, a tortura diminuiu muito na Polícia Civil. “Um dos motivos é não ter mais preso nas delegacias.”
No caso da PM, o total de queixas feitas por presos nas audiências de custódia chegou a 2.770. Para Mingardi, se a corporação tivesse interesse em controlar isso, bastaria verificar quando o sujeito foi preso e quando foi apresentado na delegacia. “A tortura é contraproducente para a segurança, pois mostra que o Estado não respeita a lei. E, se ele não respeita, quem sofre isso também acha que não tem de respeitar.”