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Espaços públicos, caminhadas e urbanidade.

O secretário de planejamento urbano do Rio fala do projeto para o centro e de como foi morar ali uma semana para entender os problemas da região

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Por Mauro Calliari
Atualização:

Washington Fajardo, secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro. Foto acervo pessoal.  

 

Washington Fajardo tem pressa. Desde quando assumiu o cargo de secretário de Planejamento Urbano da cidade do Rio de Janeiro, o urbanista está preparando um projeto para o centro da cidade, chamado de Reviver Centro, que a administração Eduardo Paes pretende apresentar ao legislativo no próximo mês.

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Para ajudar a preparar o projeto de lei, além das consultas públicas, Washington decidiu passar uma semana num apartamento na região. Segundo ele, o diagnóstico objetivo pode ganhar muito se vier acompanhado de elementos advindos da experiência cotidiana dos moradores. "Descer do metrô à noite e andar até a casa" podem ajudar a entender parte das questões de morar no centro.

Desde a primeira vez que conversamos, quando era presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade há alguns anos, Fajardo impressiona pelo entusiasmo quando fala das cidades e do Rio, em particular. Seu mote "A melhor cidade que existe é a cidade que existe" ecoa, inevitavelmente, o manifesto de Jane Jacobs de 1961, "A morte e a vida das grandes cidades", que ajudou a mudar a percepção mundial sobre a qualidade de vida nas cidades e principalmente sobre os projetos que destroem antes de construir.

Conversei com ele nessa semana sobre o projeto e sobre essa experiência de mergulhar numa região da cidade para entendê-la melhor.

 

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Porque eleger o centro do Rio como prioridade inicial do governo

 

 "Somos uma metrópole mononucleada. É claro que há subcentros importantes mas é o centro que concentra a maior fatia dos empregos e serviços não só da cidade, mas da própria região metropolitana".

A dificuldade: falta de moradia e desequilíbrio entre oferta e demanda de emprego. Como em outras grandes cidades pelo mundo afora, influenciadas pelo ideário de separação de funções, a legislação do Rio também desestimulou a existência de prédios residenciais no centro, principalmente entre as décadas 1960 e 1990. Assim, a região, que foi um laboratório de experiências urbanísticas no Brasil do século XX, com as intervenções na avenida Central (atual Rio Branco), derrubada do Monte Castelo e avenida Presidente Vargas, foi perdendo um pouco de vitalidade e hoje está fragilizada, principalmente com a pandemia.

Rua do Ouvidor. Foto: M.Calliari

A área da intervenção é o que é os cariocas chamam de 'centro', em oposição à outra região histórica, o 'porto'. Essa foi objeto de um outro grande projeto, o Porto Maravilha, que tinha objetivo de combater o esvaziamento da região ao redor do porto. Como parte do projeto, na época das Olimpíadas, veio abaixo o Elevado, reconectou-se a cidade ao mar, a praça Mauá foi reformada, construiu-se o Museu do Amanhã, foi implantado o VLT mas o modelo ainda luta para viabilizar a atração de edifícios corporativos e residenciais.

Rua Uruguaiana. Foto: M.Calliari

A região que o projeto pretende atacar tem uma característica diferente, com alta densidade construtiva mas pouca densidade de moradores. Aí está o descompasso que a Prefeitura pretende resolver: são 800 mil empregos diretos para apenas 41 mil moradores no centro. Para Fajardo, O projeto Reviver Centro vai ser um ponto de partida para mostrar que as pessoas podem ter interesse em querer se mudar para o centro: "Precisamos ser mais ousados".

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Sobre a experiência de passar dias no centro

 

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Fajardo decidiu passar uma semana morando direto no centro, numa experiência de "conhecimento corporal da região", como ele define. "Queria ter a experiência de ir ao supermercado comprar uma caixa de ovos e voltar para casa". Essa pequena vivência trouxe insights sobre segurança, qualidade das calçadas, iluminação e vitalidade do comércio..

Apesar de conhecer muito bem a região, ele acha que esses dias no centro trouxeram experiências diferentes das que se têm quando vai ao trabalho ou quando se passa por lá. "Nunca tive a percepção de como é acompanhar o anoitecer no centro".

Nas primeiras consultas públicas com a população do centro, apesar de o transporte público se bem avaliado, 51% dos respondentes apontaram que não se sentem seguros em andar a pé. A sensação de insegurança, que as pessoas apontam, parece ser, de fato maior do que o que os números mostram, principalmente para mulheres. Isso pode ter a ver com fatores óbvios como iluminação, mas também com mobiliário urbano inadequado, que criam áreas de sombra, que só quem  anda por lá consegue perceber. Em alguns momentos, essa sensação é exacerbada pela falta de pessoas nas ruas à noite. O ambiente da avenida República do Chile, por exemplo [uma avenida cheia de prédios corporativos, onde está por exemplo a sede da Petrobrás] traz uma 'sensação corporal difícil'.Por outro lado, Fajardo narra o prazer de constatar na prática como a região é compacta e cada caminhada pode oferecer uma experiência rica e interessante.

Outra percepção foi sobre o uso misto, que é uma das bases dos conceitos contemporâneos da urbanidade na cidade. Fajardo acha que é preciso fazer ajustes ligado, principalmente, ao barulho para que o conceito funcione melhor. Por exemplo, se um prédio vai ter residência e escritório, é preciso fazer um tratamento acústico para que uma atividade não prejudique a outra. O mesmo se aplica aos barulhos que usos diferentes geram e incômodos diferentes em horas diferentes.

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Os eixos de atuação do projeto

 

Edifícios de escritório.  Para esses, o objetivo é claro: aumentar a oferta de moradia e trazer pessoas para morarem no centro. Assim, edifícios onde hoje só existem escritórios, muitos vagos, poderão passar a ter pessoas morando também. A ideia é tentar facilitar a conversão dos prédios atuais - os retrofits - com simplificação de legislação -"Vamos desregular a função residencial"

Largo da Carioca. Foto M.Calliari  

Espaço Público. Fajardo usa o termo 'autoridade pedestre', para exprimir a necessidade de contemplar a experiência que normalmente passa debaixo dos radares dos planejadores urbanos. Essa experiência começa com a melhoria das calçadas e acessibilidade, mas vai muito mais longe. Pessoas que usam o espaço público precisam de mais sombra, mais árvores, áreas de apoio para entregadores, iluminação mais adequada e, nos lugares onde há maior concentração de gente parada, como na Lapa e na rua Mem de Sá por exemplo, mesas e cadeiras externas, quando a pandemia permitir.

 

Sobre participação

 

Fajardo sugere que 'tão importante quanto o projeto é o processo'. Por isso, identifica pelo menos três grandes grupos deatores sociais que precisam participar desde a concepção do projeto: os moradores, os empresários locais e produtores de espaços culturais.

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No futuro comitê gestor do projeto, esses grupos deverão estar representados, junto com membros do governo. "É importante que esses grupos da sociedade civil tenham heterogeneidade, principalmente com presença grande de mulheres que têm uma percepção muito diferente do espaço público, com estratégias específicas para garantir trajetos seguros".

Av. Rio Branco. Foto M.Calliari  

 

Historicamente, o que acontece no Rio sempre reverberou no resto do país. Vai ser interessante acompanhar o projeto para o centro e conhecer seus efeitos e suas limitações. Será que o centro vai receber de fato um influxo de pessoas nos próximos anos, e será que vai conseguir atrair também pessoas de níveis diferentes de renda? Nesse caso, de especial relevância para os planejadores urbanos de outras cidades é a possibilidade de acompanhar a coordenação de pequenas e médias ações que podem ganhar relevância se forem discutidas com moradores e empresários antes de implantadas.

Particularmente, sinto que, em tempos de técnicos e gestores públicos que não saem da zona de conforto, vai ser inspirador poder acompanhar um projeto que parte de uma visão explícita de cidade e pretende se apoiar na experiência cotidiana das pessoas.

 

Fotos tiradas antes da pandemia.

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