Os sucessivos adiamentos na divulgação dos resultados de eficácia da Coronavac (já foram quatro) causam frustração e insegurança na população e podem abalar a confiança na vacina, apontam especialistas. Para eles, o governo de São Paulo e o Instituto Butantã cometeram um erro grave ao informar datas para divulgação dos resultados finais e para início da vacinação sem ter os dados de eficácia na mão.
“Não dá para entender essa intempestividade do Butantã de estar marcando data sem ter os processos terminados. É um equívoco. Todos os estudos podem ter percalços ou pausas para analisar as informações. Colocar datas é uma aposta arriscada e, quando não cumprida, confunde a população e traz o risco de colocar todo um trabalho científico em descrédito”, analisa a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Para Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o atraso provoca frustração e insegurança. “Tinha expectativa do Brasil inteiro porque era a vacina que talvez a gente pudesse usar mais rapidamente. Não mostrar esses dados traz uma intranquilidade, diminui a confiança e aumenta a insegurança”, diz.
Para Ricardo Gazzinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, os órgãos envolvidos na pesquisa deveriam ter tido mais cuidado ao anunciar cronogramas. “Parece que existe uma ansiedade e talvez um desejo político de ter isso logo. Tem coisas que a política decide, mas se uma vacina funciona ou não, é a ciência que decide.”
Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, também critica a estratégia de comunicação do Butantã. “É uma vacina que já sofria de teorias conspiratórias por causa da sua origem. Então o cuidado com a comunicação deveria ser muito maior. Isso vai dar margem a todo tipo de especulação”, destaca.
Carla ressalta que, mesmo que a eficácia fique apenas um pouco acima de 50%, é um resultado positivo, mas que pode sofrer descrédito pela forma que o Butantã e o governo de SP vem conduzindo o processo. "Vamos supor que ela tenha de 50% a 60% de eficácia. Isso não é ruim. É ótimo. Vai ter um impacto na saúde pública e no controle da pandemia. Mas depois de todo esse desgaste e falhas de comunicação, fica parecendo que é um resultado ruim", diz.
Os especialistas também questionam a justificativa do Butantã de que o atraso na divulgação ocorreu porque a Sinovac pediu para analisar os dados de todos os países participantes dos testes clínicos. Eles esclarecem que essa análise já costuma ser feita conjuntamente e, portanto, deveria estar prevista como parte do processo.
“Geralmente se analisa o conjunto dos dados, até porque, somando todos os países, você tem um poder estatístico maior, ou seja, um dado mais confiável. Além disso, uma análise global é importante porque essa vacina será usada em populações de vários países”, explica Gazzinelli. “E me causa surpresa o Butantã falar só agora que tem essa cláusula no contrato que diz que só pode divulgar os dados juntamente com a Sinovac”, completa Carla.
Cunha concorda. “A praxe seria anunciar o resultado a partir do momento que já tenha tudo reunido. Mas já vimos, em estudos de outras vacinas, que há questões individuais das populações que podem interferir nos resultados de cada país. Nesse caso, os resultados poderiam ter sido anunciados, mas com essas questões detalhadas.”
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