THE WASHINGTON POST - Alguns pacientes com lesão cerebral podem parecer estar em coma, mas não estão. Eles processam ao menos parte do que está acontecendo ao seu redor, mas não conseguem responder fisicamente.
Sem uma resposta física, o médico pode presumir que o paciente não entendeu, diz Sudhin Shah, neurocientista da Weill Cornell Medicine, na cidade de Nova York. “Infelizmente, pode ser que estivesse processando, estivesse entendendo, estivesse querendo falar comigo. (Mas) Simplesmente não consegue.”
Essa desconexão entre compreender e responder é chamada de dissociação motora cognitiva (CMD, na sigla em inglês), um distúrbio de consciência após lesão cerebral.
Prevê-se que cerca de 15% dos pacientes que se acredita não responderem sofram com a dissociação, mas a maioria não obtém um diagnóstico porque isso requer equipamento e formação avançados.
Agora, pesquisadores usaram imagens de ressonância magnética estrutural – uma técnica que já faz parte do atendimento clínico de rotina – para identificar padrões de lesões cerebrais específicos de pacientes com CMD. Esses exames de ressonância magnética poderiam ser usados como uma ferramenta de triagem para identificar pacientes com probabilidade de ter a dissociação, aumentando as chances de não serem removidos do suporte vital tão cedo e de se recuperarem.
Diagnóstico da dissociação está disponível em poucos laboratórios no mundo
Hoje, se alguém chega a um pronto-socorro com uma lesão cerebral, a equipe médica costuma usar tomografia computadorizada ou ressonância magnética estrutural – uma técnica que gera imagens do cérebro da pessoa – para identificar problemas, incluindo inchaço, vazamento de líquidos ou hemorragia, que precisam ser resolvidos e tratados imediatamente.
Muitas vezes também será realizado um eletroencefalograma (EEG, na sigla em inglês), onde eletrodos são colocados no couro cabeludo de uma pessoa e usados para procurar atividade elétrica, um bom indicador da saúde geral do cérebro. Dependendo dos resultados desses testes, os pacientes receberão medicamentos, para prevenir convulsões, por exemplo, e possivelmente serão colocados em aparelhos de suporte vital.
“Neste momento, o diagnóstico de CMD requer acesso a alguns laboratórios em todo o mundo”, disse Sudhin, que não esteve envolvida no estudo. Para diagnosticar o a dissociação existem duas opções principais: o EEG funcional, uma abordagem muito mais avançada do que o EEG tradicional, e a ressonância magnética funcional (fMRI), que mede as alterações no fluxo sanguíneo em todo o cérebro.
Ao longo de cerca de 30 minutos, os pacientes são repetidamente solicitados a responder a perguntas ou comandos cuidadosamente escolhidos – por exemplo, “abra e feche sua mão” e “imagine abrir e fechar sua mão”. Cientistas e médicos precisam de treinamento extensivo para analisar e interpretar os dados de atividade cerebral dos pacientes coletados durante o interrogatório.
Como tornar o diagnóstico mais acessível?
Jan Claassen, que é médico de cuidados neurocríticos e diretor de Neurologia de Cuidados Críticos do Hospital Presbiteriano de Nova York, ligado à Universidade de Columbia, cujo laboratório liderou o estudo recente, estava determinado a tornar o diagnóstico de CMD mais simples, incorporando equipamentos já disponíveis na maioria dos hospitais.
Ele e seus colegas recorreram à ressonância magnética estrutural para procurar lesões cerebrais – uma abordagem clássica para compreender a função cerebral – em pacientes com a dissociação, disse Claassen.
Mas antes de trazer dados estruturais de ressonância magnética para a equação, a equipe usou a atual abordagem funcional do EEG para identificar com segurança 21 pacientes com CMD em um grupo de 107 pacientes com lesão cerebral. Em seguida, compararam os dados de EEG e de ressonância magnética estrutural entre os dois grupos e foram capazes de identificar dois padrões de lesões cerebrais observados apenas em pacientes com a dissociação.
Esses padrões de lesão estavam, não surpreendentemente, em áreas do cérebro importantes para o desempenho motor, mas não em regiões importantes para a compreensão ou excitação de comandos, indicando que os pacientes com CMD seriam capazes de processar informações, mas seriam incapazes de responder fisicamente.
Replicar e refinar esses resultados em um grupo maior de pacientes é essencial, disse Claassen, mas saber quais padrões de lesão são mais prováveis poderia ser útil como uma ferramenta de triagem quando alguém dá entrada em um hospital com lesão cerebral.
Quadros pediátricos são ainda menos compreendidos
Alguns desses pacientes são crianças. Aidan Galaska sofreu uma grave lesão cerebral em um acidente de carro, em 2013, aos 9 anos. Seu irmão mais velho, Cole, morreu no local.
Nos meses seguintes ao acidente, Galaska foi submetido a uma bateria de testes, incluindo aqueles em que foi solicitado a responder a perguntas. “Após uma breve avaliação de cinco minutos, eles decidiriam que ele estava em estado vegetativo persistente”, disse Laura Galaska, a mãe dele. Mas ela tinha um pressentimento de que “Aidan estava lá”.
Em algumas ocasiões, Laura viu Galaska se mover ou rir de uma forma que ela sentiu indicar que ele estava ciente do que estava ao seu redor, mesmo que os médicos pensassem que era um reflexo corporal aleatório. “No papel, parecia muito, muito sombrio”, admitiu a mãe.
Depois de anos, Laura encontrou cientistas e médicos que ouviram-na e lhe apresentaram a Sudhin, em 2018. Galaska foi inscrito em estudos, incluindo um com a neurocientista, para saber o que poderia estar acontecendo em seu cérebro. Finalmente, receberam a notícia: ele tinha CMD. Ele foi a primeira criança a receber esse diagnóstico.
“São cinco anos”, disse Sudhin. “Cinco anos daquela família tentando encontrar uma resposta para o que deveria ser uma pergunta básica: meu filho está ouvindo ou entendendo o que estou dizendo?”
E para Laura, esses cinco anos de espera também foram repletos de médicos que, segundo ela, trataram o filho não apenas como se ele estivesse inconsciente, mas como subumano. “Nunca é apropriado falar sobre um paciente na frente dele como se o futuro dele não importasse, como se não houvesse esperança”, disse a mãe.
Claassen concorda. “Quando você estiver ao lado do leito, no quarto de um paciente que aparentemente não responde, presuma que ele está realmente consciente”, explica ele a todos os profissionais que treina. “Quando você tiver uma reunião com uma família à beira do leito, integre o paciente, mesmo que ele não possa realmente participar da discussão.”
Galaska morreu no ano passado de covid-19 após uma infecção pulmonar.
Diagnóstico pode salvar e mudar vidas
Um estudo do ano passado, também liderado por Claassen, mostrou que os pacientes com CMD têm uma maior probabilidade de recuperação, portanto, ser capaz de identificar os pacientes com a dissociação reduziria o risco de que as terapias de suporte à vida fossem retiradas prematuramente.
Saber se um ente querido tem CMD também permitirá que as famílias tomem melhores decisões sobre os cuidados: por exemplo, se devem investir recursos num programa de reabilitação, disse Jose Suarez, diretor da Divisão de Cuidados Neurocríticos da Universidade Johns Hopkins, que não esteve envolvido no estudo.
Saber quais pacientes têm a dissociação poderia levar a ensaios clínicos específicos para eles com objetivo de avaliar a eficácia de diferentes técnicas de estimulação cerebral ou terapêuticas, como a droga amantadina, disse Suarez.
Foi demonstrado que a amantadina ajuda na recuperação de pacientes em estado vegetativo ou minimamente consciente. “Poderíamos replicar o ensaio em pacientes com CMD, e ver se aqueles que receberam amantadina tiveram um ritmo de recuperação mais acelerado.”
Os pacientes poderão um dia também ser capazes de usar tecnologias como interfaces cérebro-computador (BCI), disse Claassen, que captam sinais do cérebro de uma pessoa e os traduzem em comandos que permitem à pessoa controlar um dispositivo externo.
Claassen e os colegas dele esperam adaptar um BCI para pacientes com CMD “para construir uma ponte de comunicação”, disse ele.
“Há pessoas potencialmente presas durante décadas, sem que nenhum dos seus familiares e o resto do mundo saibam o que está a acontecer”, diz Sudhin. Ser capaz de identificar mais facilmente as pessoas com CMD é crucial, fala, mas “isso não significa nada se não tentarmos tirá-los (desse estado).”
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