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Cremesp vê indícios de armazenamento irregular de amostras para teste de covid-19 no Adolfo Lutz

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo diz, em ofício encaminhado ao Ministério Público do Estado, que condições interferem na confiabilidade dos testes para covid-19

Foto do author Ludimila Honorato
Por Ludimila Honorato
Atualização:

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) enviou na sexta-feira, 10, um ofício ao Ministério Público do Estado em que relata indícios de irregularidades no Instituto Adolfo Lutz quanto ao armazenamento de amostras para testes do novo coronavírus.

Segundo o documento, a instituição recebeu, entre 27 de janeiro e 6 de março, 28,8 mil amostras, das quais 7,8 mil haviam sido testadas, considerando que a capacidade diária para realizar testes é de 1,4 mil. Na quinta, 9, a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo divulgou um boletim epidemiológico informando que mais de 30 mil exames estavam na fila para investigação no Instituto Adolfo Lutz.

Um kit de teste para o novo coronavirus Foto: EFE/EPA/ROBIN VAN LONKHUIJSEN

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Para o Cremesp, a quantidade de amostras no instituto "excede absolutamente a capacidade de armazenamento no sistema de acondicionamento em baixas temperaturas". O conselho afirmou em nota divulgada em seu site que cerca de 20 mil amostras sem processamento foram encontradas em geladeiras indicadas para a conservação por até 72 horas. Não ficou claro se o material estava ali por tempo além desse.

A grande quantidade de amostras somada às supostas condições irregulares de armazenamento poderiam interferir na confiabilidade dos resultados dos testes, diz o ofício, e estariam fora dos protocolos internacionais e até mesmo do próprio Adolfo Lutz.

"As amostras acomodadas no instituto, em sua esmagadora maioria, estão inapropriadas ou imprestáveis para que sejam realizados testes em atendimento dos critérios e protocolos mínimos de confiabilidade e efetividade", afirma o documento assinado pela presidente do Cremesp, Irene Abramovich, e pelo diretor Angelo Vattimo. Além de acionar o Ministério Público, o conselho abriu sindicância para investigar as responsabilidades dos médicos e gestores do instituto.

O conselho aponta ainda que "grande quantidade de amostras que chegaram ao Instituto Adolfo Lutz foram devolvidas à origem", pois estavam inadequadas. O ofício informa também que, segundo diretores presentes no dia da fiscalização, que se manifestaram em nome da instituição, há dificuldade na quantidade de kits. "Informaram que são entregues poucos insumos e reagentes, o que limitou demasiadamente a consecução dos testes."

Para a médica epidemiologista Eliana Wendland, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, os laboratórios não deveriam receber mais amostras do que a capacidade que suportam. Ela explica que amostras sem processamento podem ficar na geladeira por até 72 horas e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), numa temperatura entre 4 e 8 graus Celsius. Se o material precisar ser mantido por mais tempo do que isso, antes de ser processado, a recomendação é congelar a -70ºC ou menos. No freezer, a amostra pode ficar por tempo indeterminado.

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"Se deixar muito tempo fora da conservação adequada, a amostra pode perder o RNA (identidade genética)", diz Eliana, o que vai comprometer a qualidade do teste. Uma amostra bem acondicionada deve seguir os protocolos de armazenamento, temperatura e manuseio adequados estabelecidos pelas entidades de saúde. "O grande problema da capacidade dos laboratórios é processar todas as amostras que chegam", pontua a professora.

De forma geral, o presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica, Wilson Shcolnik, afirma que se as boas práticas não forem adotadas em todos os processos de análise, "o que pode acontecer é ter resultados imprecisos".

"As boas práticas laboratoriais recomendam cuidados na fase pré-analítica, em que tem coleta, acondicionamento e transporte das amostras, na fase analítica, que tem de ter calibração de equipamentos, validação de métodos, controle de qualidade, e pós-analítica, em que você comunica os resultados dos exames, podendo fazer recomendação ou observação nos laudos", explica ele. Shcolnik afirma que as recomendações variam para cada tipo de exame e concorda que a fase pré-analítica pe crucial para bons resultados no futuro.

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde afirmou que "o protocolo adotado pela OMS para diagnóstico de covid-19 não define tempo mínimo de manutenção sob refrigeração. A recomendação é manter a amostra refrigerada, ou a -20ºC ou a -70ºC. O Adolfo Lutz possui geladeiras e freezers com capacidade para armazenamento seguindo essas indicações".

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Embora haja uma recomendação da entidade mundial para armazenamento de amostras por até 72 horas sob refrigeração, a secretaria disse que pesquisadores do instituto já realizaram testes de viabilidade de detecção do novo coronavírus em amostras mantidas em refrigeração por mais de uma semana, identificando o vírus normalmente.

A professora Eliana avalia que isso pode funcionar, mas ressalta que, quando as amostras são conservadas e processadas fora do protocolo, corre-se o risco de ter problemas na detecção do novo coronavírus. "Para poder dizer isso, a gente teria que ter frações da mesma amostra expostas a diferentes tempos e os resultados deveriam ser os mesmos."

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