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Crianças têm alta carga viral do coronavírus e podem ser mais infecciosas do que adultos, diz estudo

Pesquisadores de Harvard apontam que potencial de disseminação do vírus entre os mais jovens, de maioria assintomática, foi subestimada e alertam para o risco da volta às aulas

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Por Redação
Atualização:

Crianças possuem alta carga viral do novo coronavírus e podem ser mais contagiosas do que adultos, inclusive aqueles internados em unidades de terapia intensiva (UTI) - é o que aponta um estudo da Escola Médica da Universidade de Harvard. De acordo com a pesquisa, o potencial de disseminação do vírus entre os mais jovens tem sido subestimado desde o início da pandemia.

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O estudo, publicado na revista Journal of Pediatrics na quinta-feira, 19, apontou o quão infecciosas as crianças, mesmo aquelas sem sintomas, podem ser. "Ao contrário do que acreditávamos, com base nos dados epidemiológicos, elas não são poupadas desta pandemia", disse Alessio Fasano, diretor do Centro de Pesquisa de Biologia e Imunologia do Hospital Geral de Massachusetts e um dos autores do novo estudo.

A pesquisa envolveu 192 pessoas com idades entre 0 a 22 anos que estavam em unidades de atendimento de urgência por suspeita de covid-19. Quarenta e nove deles - um quarto do total - testaram positivo para o vírus. Outros 18 foram incluídos no estudo após serem diagnosticados com síndrome inflamatória multissistêmica, uma doença grave relacionada à covid que pode se desenvolver várias semanas após uma infecção.

Fasano e colegas do Massachusetts General e do Hospital Pediátrico MassGeneral, de Boston (EUA), descobriram que as crianças infectadas têm um nível significativamente mais alto de vírus nas vias aéreas - esta parte do corpo é um dos principais vetores transmissão - do que os adultos hospitalizados em UTI. Os altos níveis virais foram encontrados em bebês e adultos jovens, embora a maioria dos participantes tivesse entre 11 e 17 anos.

Os autores sugerem que outros cientistas se equivocaram ao analisar a evolução epidemiológica da pandemia sob a perspectiva sintomática da doença. Acreditava-se que o número reduzido de receptores do coronavírus — a chamada proteína ACE2, pela qual a proteína spike do Sars-CoV-2 entra nas células humanas — nas crianças levaria a uma menor carga viral, mas o estudo de Harvard derruba essa ligação e alerta que elas podem ser mais contagiosas independentemente da suscetibilidade à covid-19.

Crianças têm alta carga viral do coronavírus e podem ser mais infecciosas do que adultos, diz estudo de Harvard. Foto: Wilton Junior/Estadão

Segundo Fasano, como a maioria das crianças infectadas com o coronavírus tem sintomas muito leves, elas foram amplamente negligenciadas como um grupo demográfico nos estágios iniciais da pandemia. 

"Existem alguns dados conflitantes sobre o grau em que as crianças podem ser contagiosas", disse a Dra. Marybeth Sexton, professora assistente de doenças infecciosas da Escola de Medicina da Emory University em Atlanta, que não participou do estudo. "Esta é mais uma evidência de que podemos ver as crianças como fontes de infecção." Ela acrescentou que pesquisas mais extensas são necessárias.

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Risco da volta às aulas

Os resultados da pesquisa foram recebidos com cautela pelos especialistas brasileiros. O pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, afirma que o estudo é bem feito, mas vai na contramão dos estudos anteriores.  "É um estudo a mais para a gente avaliar, mas clinicamente não é o que a gente vê muito. Não é o que temos visto na prática na faixa pediátrica e na transmissão", diz o especialista. 

"Em relação ao número de casos confirmados por onde a pandemia passa, na China, Europa e Estados Unidos, as crianças com menos de dez anos de idade respondem por apenas 1% ou 2% dos casos diagnosticados. As crianças são muito poupadas em relação ao resto da população em termos clínicos", completa. 

Marco Aurélio Sáfadi, diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, afirma que os dados são insuficientes para definir as crianças como vetores importantes de transmissão do novo coronavírus. "Trata-se de um estudo pequeno, com poucas crianças. Ele sugere que as crianças possam desempenhar um papel importante como vetores, mas não comprova isso de maneira inequívoca. É preciso cautela na interpretação dos resultados", diz o especialista que também é presidente do departamento científico de infectologia da SBP. 

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Mais importante do que analisar a carga viral de cada criança é analisar a experiência dos países que já promoveram a abertura das escolas com sucesso. Essa opinião do médico Fábio Jung, um dos autores de um estudo que analisou a reabertura das escolas em 15 países. A Alemanha, por exemplo, conseguiu manter a tendência de queda dos casos mesmo com a reabertura das escolas. Lá, as medidas mais importantes foram a autoaplicação de testes pelos alunos, aferição de temperatura, distanciamento físico nas salas, higienização das mãos, uso de máscaras e álcool em gel.

“Existem dois artigos publicados em revista de primeira linha afirmano que, no caso da círus da gripe, não existe correlação entre a carga viral, a quantidade de vírus medida pela via aérea do paciente, com a transmissibilidade. É uma doença similar de vias áereas similar ao coronavírus. Mapeamos 15 países que reabriram as escolas e não tiveram mudanças grandes nas curvas epidemiológicas”, diz o especialista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com MBA em Finanças e Health Care Management na Wharton School.

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Embora tenha sido recebido com cautela pelos cientistas, o estudo chamou a atenção dos especialistas que preparam o retorno às aulas por aqui. É um momento de grande risco de disseminação do coronavírus entre crianças e jovens, de acordo com a pesquisa de Harvard. As aulas presenciais nas escolas particulares do Estado do Rio de Janeiro poderão ser retomadas a partir de 14 de setembro, e na rede pública, inclusive nas universidades, a partir de 5 de outubro.

Em São Paulo, a gestão Bruno Covas (PSDB) vetou a reabertura de escolas das redes pública e privada para atividades de reforço em setembro depois que um inquérito sorológico atestou que 64% dos casos foram assintomáticos. A retomada em outubro ainda é avaliada. “Estamos nos organizando para o retorno na data definida pelo governo, mas ainda em dúvida, que só crescem com pesquisas como essa. Mas nossos protocolos estão de acordo com as recomendações feitas na pesquisa”, afirma Wagner Cafagni Borja, diretor geral da escola Nossa Senhora das Graças, localizada no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo.

O médico hematologista e patologista clínico Rafael Jácomo, diretor Técnico do Laboratório Sabin de Análises Clínicas, que presta consultoria para diversos colégios na retomada das aulas presenciais, afirma que a transmissibilidade da covid-19 por crianças e jovens sempre foi tema de atenção dos especialistas no mundo todo. "Qualquer serviço de consultoria que vise avaliar riscos e dar orientações ao retorno às aulas presenciais tem que ponderar que, independentemente da discussão sobre a gravidade do quadro nas crianças, o convívio escolar é um fator de aumento de transmissibilidade, mesmo que transitório", avalia. 

Marcelo Mimica, pediatra e infectologista do Grupo Fleury, outro grupo que oferece consultorias aos colégios, reafirma a necessidade de cuidado no retorno às aulas. "São resultados relevantes (da pesquisa) e que tornam ainda mais importante, como os próprios autores do estudo sugerem, que o retorno dos alunos às escolas seja feito com o máximo cuidado e foco nas medidas de prevenção e controle de infecção, incluindo distanciamento social, uso de máscaras, higiene adequada das mãos e diagnóstico precoce.”

Paralelamente aos últimos estudos científicos, três fatores preocupam a educadora Silvia Colello. “Não temos certeza se as escolas vão cumprir os protocolos mínimos. É difícil evitar o contato entre as crianças. Por fim, como elas podem ser transmissoras assintomáticas, existe um risco maior. É uma desestabilização do afastamento social que estamos enfrentando há tanto tempo”, diz a professora da pós-graduação da faculdade de educação da USP.  "Em que pese o prejuízo e o dano de manter a escola fechada, eu acho que temos de continuar buscando alternativas no ensino remoto para não colocar as pessoas em risco", completa a educadora. 

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