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Dengue: Em 2 meses e meio, País ultrapassa nº de casos de 2023 e caminha para pior surto da história

Brasil chegou nesta sexta-feira a 1,68 milhão de registros da doença, maior do que o 1,65 milhão de casos acumulados em todo o ano passado; número de óbitos já passa de 500

Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari

Em apenas dois meses e meio, o Brasil ultrapassou o total de casos prováveis de dengue registrados em 2023. Por ora, já é possível dizer que 2024 é o segundo ano com mais notificações da doença desde 2000, perdendo apenas para 2015 - mas não falta muito para que isso mude e a atual epidemia torne-se a maior da história do País.

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De acordo com o painel de arboviroses do Ministério da Saúde, o País acumulou, até esta sexta-feira, 15, 1.684.781 casos prováveis da doença. Em todo 2023, foram 1.658.816 notificações, e, em 2015, 1.688.688, segundo a série histórica da pasta.

Os dados deste ano são preliminares e tendem a ser atualizados para cima, porque há atraso nas notificações dos Estados e municípios. A última atualização do painel nacional foi feita por volta das 16 horas.

Agente sanitário inspeciona caixa d'água em Niterói Foto: Bruna Prado/AP

Embora mesmo os sintomas do quadro clássico sejam bastante incapacitantes por si só, a maioria das pessoas não enfrenta o agravamento da doença. Até agora, foram quase 15 mil pacientes com dengue grave ou com sinais de alarme.

O agravamento do caso ocorre de forma rápida, em geral após a queda da febre alta e súbita que marca o início da doença, por isso, é preciso estar atento aos sinais de alarme. A doença não tem um tratamento específico, mas um protocolo de hidratação adequado e na hora certa salva vidas.

A maior parte das mortes pela doença são consideradas, portanto, evitáveis. Por ora, o País registrou 513 óbitos. Outros 903 estão em investigação. Em 2023, o Brasil teve o maior número de vítimas para a doença em apenas um ano, foram 1.094. Em 2015, pior ano em número de casos, haviam sido 986.

A explosão de casos de dengue no País ocorre em um momento em que há uma circulação importante de outras doenças, como a covid-19 e demais vírus respiratórios. O último boletim InfoGripe da Fiocruz, divulgado na quinta, 14, mostra sinal de crescimento de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) na maior parte do País em todas as faixas etárias.

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Isso eleva as preocupações de sobrecarga no sistema de saúde, algo que pode colocar o manejo clínico adequado de pacientes em cheque.

Conforme mostrou o Estadão, sete em cada dez (71%) hospitais paulistas privados encaram, ao mesmo tempo, um aumento de internações por covid e dengue nos últimos 15 dias. Os dados são de pesquisa do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp).

O que esperar?

O cenário da epidemia é bastante heterogêneo pelo País. Enquanto o Distrito Federal e Minas Gerais, que alavancaram a curva de casos nacional no início do ano, começam a experimentar uma desaceleração e têm indícios de queda nas notificações, outras regiões, como São Paulo e o Sul, em especial Santa Catarina e Paraná, começam agora a ter uma aceleração no volume de infectados e declaram emergência.

De acordo com o último boletim federal, divulgado na quinta, dez unidades da federação e 297 municípios brasileiros já decretaram emergência por causa da epidemia.

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Desde o ano passado, a dengue tem se comportado de forma diferente no País. Em 2023, a transmissão demorou a diminuir, mesmo nos meses tradicionalmente de inverno para algumas unidades federativas, e voltou a subir um pouco antes, já no final de setembro. Mesmo assim, os registros não superaram o pior surto já visto no País, em 2015.

No entanto, os modelos estatísticos do Ministério da Saúde já indicavam que 2024 seria um ano atípico e o pior visto na história. A estimativa é de que o País tenha 4,2 milhões de casos neste ano, o dobro do acumulado em 2023.

Mesmo assim, a escalada muito rápida no início deste ano foi surpreendente. Para se ter uma ideia, o número de casos reportados subiu 416% em relação ao mesmo período do ano passado, quando 326.342 casos haviam sido notificados.

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É possível falar que a transmissão da doença se antecipou, mas há dúvidas em relação ao pico de casos deste ano. Segundo especialistas, precisamos nos preparar para o pior, ou seja, para que ele ocorra em abril, como costuma ser.

O que está por trás disso?

Um único motivo não consegue explicar por si só a expansão da dengue, que ocorre não só no Brasil, mas no mundo todo. É válido ressaltar que na região das Américas, onde estamos, o avanço é mais veloz.

Segundo especialistas, isso se deve a medidas pouco eficazes de controle do mosquito Aedes Aegypti, vetor da doença. As ações clássicas são a conscientização sobre a eliminação dos criadouros, que em sua maioria estão em áreas domésticas, e o uso de inseticidas (fumacê). Além disso, muitos apontam para as alterações climáticas, uma relação que precisa ser mais e melhor estudada.

Ao longo deste ano, o Ministério da Saúde atribui o ritmo atípico da epidemia ao El Niño e às mudanças climáticas, com temperaturas elevadas e chuvas irregulares, que ajudam na reprodução do mosquito e na transmissão da doença. E, também, ao fato de, após anos, os quatro sorotipos da dengue estarem circulando ao mesmo tempo. O País também observa uma interiorização da doença, com cidades pequenas e médias ajudando a alavancar a curva.

‘Irreversível’

Um estudo comandado por pesquisadores do Observatório de Clima e Saúde, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fiocruz, publicado na revista científica Scientific Reports, do grupo Nature, esmiuçou a associação entre anomalias térmicas, fatores demográficos e mudanças nos padrões de incidência de dengue. O período observado, por meio de técnicas de mineração de dados, foi de 21 anos (2000-2020).

Os pesquisadores conseguiram captar tanto a dispersão da doença, chegando a novas localidades, quanto o agravamento da incidência em algumas regiões. Eles observaram que, ao longo desses vinte anos, apenas três microrregiões permaneceram sem casos de dengue, todas localizadas no extremo Sul. A doença se expandiu em direção ao Planalto Central, mais especificamente nas áreas ocidentais das regiões Sul e Centro-Oeste, e no interior do Nordeste.

Outra descoberta foi que, áreas de maior altitude, que eram consideradas um fator limitante na transmissão, hoje são suscetíveis à expansão da transmissão da dengue e de outras arboviroses. Isso acende o alerta de epidemias, uma vez que potencialmente há a introdução de um vírus em um local com população “sem defesas” a ele.

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Mas, talvez o mais preocupante, é a conclusão de que “o processo de expansão da área de transmissão da dengue parece ser irreversível”. “Uma vez introduzidos o vírus e o vetor, é pouco provável que voltemos a um cenário de transmissão zero. Essa situação é ainda mais grave nas microrregiões com taxas de incidência mais elevadas (mais de 300 casos por 100 mil habitantes)”, escreveram.

Das 553 microrregiões do País, atualmente, 52% delas estão na faixa epidêmica - com a incidência ultrapassando 300 a cada 100 mil habitantes -, aponta o estudo. Outras 46% estão na faixa de média a baixa incidência, na qual se observa “risco esporádico ou incerto”.

Segundo os pesquisadores, as microrregiões que apresentaram as maiores taxas de incidência de dengue foram aqueles que já tinham um nível prévio básico de transmissão de dengue e um alto grau de urbanização - vale lembrar que o Aedes Aegypti é um mosquito urbano. Eles também viram associações com as mudanças climáticas. A ocorrência de anomalias térmicas positivas (ondas de calor) agravaram as taxas de incidência, mesmo em locais que historicamente não enfrentavam surtos.

“No interior do Paraná, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, o aumento de temperaturas está se tornando quase permanente. A gente tinha cinco dias de anomalia de calor, agora são 20, 30 dias de calor acima da média ao longo do verão. Isso dispara o processo de transmissão de dengue, tanto por causa do mosquito quanto pela circulação de pessoas”, afirmou Christovam Barcellos, autor principal do estudo, em comunicado.

“Nessas regiões que estão sofrendo com altas de temperatura, também temos visto um desmatamento muito acelerado. E dentro do Cerrado Brasileiro há as cidades que já têm ilhas de calor, áreas de subúrbio ou periferias com péssimas condições de saneamento, tornando mais difícil combater o mosquito”, alerta ele.

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