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Diagnosticada com autismo nível 1, conhecido como autismo leve, a jornalista Renata Simões vai debater abertamente sobre o tema

Opinião|A mente mente

A Teoria da Mente trata da habilidade de atribuir estados mentais a nós mesmos e aos outros

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Reverberando a virada de ano e a famigerada lista de desejos e objetivos, escrevo esta coluna já tendo quebrado uma das metas: entregar o texto um dia antes do prazo do ano passado. Um item para o tempo porvir pode ser leve para a maioria das pessoas, e um estorvo para os autistas, pela dificuldade de criar metas que não sejam jaulas. Uma ideia materializada em frase vira verdade absoluta. Haja terapia até perceber que a lista é um guia, e não a tábua dos mandamentos de Moisés.

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Asperger foi meu primeiro diagnóstico, na época em que o termo era usado. Foi quando descobri a Teoria da Mente, que discorre sobre a habilidade de atribuir estados mentais a nós mesmos e aos outros, compreendendo que os outros possuem crenças, intenções e desejos distintos dos nossos. Mesmo que em alguns momentos as nossas previsões estejam certas, em geral, o que pode estar acontecendo na cabeça de outra pessoa não passa de teoria.

A expressão “ToM – Theory Of Mind” foi disseminada no fim dos anos 70, com o início dos experimentos sobre cognição animal. Nem eles, nem nós, ninguém nasce com uma teoria da mente, que começa a se desenvolver na infância. É a partir da atenção e da percepção da intencionalidade que compreendemos que as pessoas não estão pensando a mesma coisa que nós, que elas possuem “outras mentes”. O TEA dificulta o desenvolvimento da Teoria da Mente, levando as pessoas no espectro a não entender que o outro tem intenções diferentes das projetadas por seu próprio pensamento. Uma criança que gosta de quadrinhos entende o mundo como se todos tivessem o mesmo interesse.

Para o autista, criar metas pode ser um desafio. Foto: Towfiqu Barbhuiya

A aplicação da Teoria da Mente como tratamento para melhora na inserção social é vista com desconfiança dentro do movimento de direitos de pessoas autistas. Algumas linhas de estudo propagam que seria uma cura aos comportamentos socialmente inadequados e à falta de desenvolvimento de habilidades sociais. Só que esses déficits na percepção do outro como uma mente independente acontecem também em pessoas com esquizofrenia, TDAH e DDA, assim como consequência da intoxicação do cérebro pelo abuso de álcool. Oitenta por cento das pessoas com síndrome de Down apresentam a Teoria. É fácil colocar essas questões como componentes da neuroatipia, quando são questões da mente humana.

Tenho listas antigas que excluem a compreensão da vontade do outro ou do tempo do mundo. Na de 2020 está lá “viajar mais”. Deixar a vida se apresentar me livra do autoflagelo ao descumprir um item e abre espaço para futuros não imaginados, como uma posse presidencial sem 21 tiros de canhões para evitar que autistas tenham crises por conta do barulho. Que venha um 2023, com ou sem lista, doce, acolhedor, abundante e com boas surpresas pra todos nós.

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Opinião por Renata Simões
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