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Diálogo e atendimento humanizado são apostas contra desinformação

Especialistas alertam para os perigos do diagnóstico e da busca de tratamentos pela internet em tempos de algoritmos e propagação de fake news

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Por Estadão Blue Studio
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4 min de leitura

Quando decidiu se apoiar em publicações da internet para fazer um tratamento, o famoso “perguntar ao dr. Google”, comportamento cada vez mais comum em todas as gerações e classes sociais, a professora e personal trainer Juliana Karina Batista dos Santos, de 37 anos, não imaginava que sofreria consequências graves para sua saúde. “Eu queria emagrecer e já havia tomado o medicamento uma vez. Um ano depois de ter feito o tratamento, não achei que seria um risco reutilizar a receita por conta própria para voltar a perder peso.”

A lógica usada por Juliana não é incomum, mas é de alto risco. Neste caso, o problema se agravou porque o remédio não era de uso contínuo e a reutilização, somada a questões de saúde mental, hábitos alimentares não saudáveis e consumo de álcool, afetou seu metabolismo, causando um quadro de fístula que por meses a impediu de fazer ações básicas como espirrar ou andar sem sentir dor. “Quando me dei conta, já era tarde e eu precisei de um longo e doloroso tratamento para voltar ao normal.”

Confiança é a base do relacionamento entre pacientes e especialistas, que são as melhores fontes de informação Foto: Getty Images

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De acordo com Cristiano Nabuco Abreu, psicólogo coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), relatos como o de Juliana são cada vez mais comuns nos consultórios. “O autodiagnóstico e a automedicação se tornaram uma tendência, mas, ao buscar informações na internet, a pessoa não leva em consideração seu histórico médico ou herança biológica, ela recai apenas no que o algoritmo lhe oferece.”

Ele diz ainda que não é apenas a saúde física que a crescente busca online prejudica. “Essa fração de informação enviesada, distorcida e não confiável que a pessoa encontra na internet projeta a ansiedade nas alturas, gerando preocupação desnecessária. O corpo físico estressado fica mais vulnerabilizado e isso é particularmente pior quando se está suscetível.”

Novo perfil de paciente

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O médico José de Jesus Camargo é diretor de cirurgia torácica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, e também conhecido pela sua visão humanista sobre o paciente. Ele observa que o alto consumo de conteúdo sobre saúde mudou completamente o perfil de quem chega aos consultórios. “É um paciente muito mais informado. Alguns claramente vão se consultar para conferir se a opinião do médico coincide com a do Google. Se não coincidir, ele não tem dúvida de que quem está errado é o médico”, diz, alertando para a inversão da credibilidade nas referências.

Assim como Abreu, Camargo vê nesse hábito uma ameaça tanto para a saúde física quanto mental. “A ansiedade de obter informação desenhou dois perfis de paciente: o que vem para confirmar a opinião boa que adquiriu em algum site, e o que se sentiu ameaçado pela possibilidade de ser algo ruim e chega quase pedindo desculpas por ter se intrometido em uma área que não é a dele.”

Ao buscar informações de diagnóstico e medicação na internet, a pessoa não leva em consideração seu histórico médico ou herança biológica, ela recai apenas no que o algoritmo lhe oferece

Cristiano Nabuco Abreu, psicólogo coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP)

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MÊS DA SAÚDE ESTADÃO

Hoje é o Dia Nacional da Saúde e por isso trazemos essa reportagem sobre os riscos da desinformação. Durante todos os sábados do mês, traremos outros temas especialmente escolhidos como parte do projeto Mês da Saúde Estadão.

Também convidamos para acompanhar uma série de quatro podcasts com especialistas e 20 vídeos selfies com médicos, influencers e demais convidados, que farão seus relatos sobre o que é saúde para cada um deles, nas mídias sociais e no Notícia no Seu Tempo, no Estadão.

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E no dia 22 de agosto, às 10 horas, será transmitido, pelas mídias sociais do Estadão, um meet point no qual três convidados farão um bate-papo sobre temas relevantes para a saúde hoje.

Crise de confiança e fake news

Nesse cenário, que além da crise de confiança também é alimentado por dificuldades de acesso (no caso do atendimento público) e custos (no caso da rede suplementar) dos serviços de saúde, as fake news são o que mais preocupa os especialistas, por seu alto potencial de levar a comportamentos de risco. “Há uma tendência de se acreditar que o que está escrito em algum lugar é verdade, e isso fez com que a internet, que tem maravilhosas outras utilidades, tenha se transformado, do ponto de vista científico, na lata do lixo, porque pode-se colocar lá o que quiser. Isso é um campo riquíssimo para vigaristas”, alerta José de Jesus Camargo.

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Para ele, a procura por autodiagnóstico e a crença em fake news relacionadas à saúde revelam nuances profundas das relações entre médicos e pacientes em tempos de inteligência artificial como ChatGPT. “Ao buscar uma informação online, você seleciona em que acreditar baseado em confiança, que é um sentimento humano. E entender de sentimentos humanos é o que diferencia o bom médico do robô.”

O psicólogo Cristiano Nabuco Abreu compartilha dessa opinião e vê com preocupação o fluxo de dados sobre saúde controlados pela inteligência artificial gerativa, como o ChatGPT, e por algoritmos, no caso dos buscadores, como o Google. “Vivemos uma nova Idade Média, na qual não temos controle das informações. Diante de cem mil resultados oferecidos por um buscador, a pessoa escolhe aquilo que mais se alinha à sua visão de mundo, e os algoritmos ajudam a perpetuar esse comportamento.”

Para ambos, o futuro da medicina nesse sentido recai sobre a inteligência emocional e o restabelecimento da confiança entre os indivíduos. “A pandemia diluiu as conexões que tínhamos anteriormente, deixando a sociedade mais irritada. Essa busca exacerbada por autodiagnóstico é resultante de uma crise existencial maior, na qual não conseguimos mais conversar com o outro, nem sequer acreditar em um diagnóstico dado por um médico”, completa Abreu.

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