Digitalização de planos de saúde vira desafio para idosos; veja dicas para evitar dor de cabeça

Consumidores que não têm tanta afinidade com o universo digital encaram dificuldade para agendar consultas e exames. Saiba como resolver o dilema

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Por Ana Carolina Montoro

Idosos têm encontrado dificuldades em acessar sozinhos os canais de atendimento dos planos de saúde. A digitalização desses serviços já estava em curso e foi intensificada durante o período de isolamento da pandemia de covid-19. Mas essa nova realidade não dialoga com o nível de letramento digital de todas as pessoas acima de 60 anos, parcela da população que é grande consumidora dos serviços de saúde.

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De acordo com dados do Panorama dos Idosos Beneficiários de Planos de Saúde, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), entre 2002 e 2022, o número de idosos com contratos ativos em operadoras de plano de saúde dobrou, passando de 3,2 para 7 milhões.

Se lá atrás bastava uma ligação telefônica para agendar exames e consultas, agora os beneficiários precisam entrar em aplicativos e chatbots de WhatsApp (ou seja, a interação inicial ocorre com um robô) para acessar esses serviços. Mas o avanço da tecnologia se tornou um problema para os consumidores que têm dificuldades em usar smartphones e aplicativos – e não é pouca gente.

Uma pesquisa conduzida pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo em 2020 revelou que os idosos se sentem excluídos do mundo digital. Na pesquisa, que ouviu mais de 2,3 mil brasileiros com mais de 60 anos, foi identificado um aumento na parcela que diz ter conhecimento sobre o termo “internet” – saltou de 63%, em 2006, para 81%, em 2020. Apesar disso, só 19% relataram usar a plataforma. Ainda de acordo com o levantamento, 72% dos participantes nunca acessaram um aplicativo e 62% nunca entraram nas redes sociais.

A aposentada Sônia Moreira, de 81 anos, faz parte dessa significativa fatia que não tem familiaridade com o mundo virtual – e, por isso, encontrou obstáculos ao utilizar serviços de saúde. Desde 2022, ela é titular de um plano voltado exclusivamente para pessoas acima de 50 anos e, em janeiro, caiu e fraturou o pulso. Sônia recebeu os primeiros cuidados em um hospital particular fora da rede conveniada da operadora, mas, um mês depois, precisou ir ao centro médico do seu convênio para solicitar um raio-x da fratura.

Seu neto, Erick Maués, de 29 anos, que a acompanhou, conta que ela não foi atendida assim que chegou porque receberam a informação de que deveriam marcar o exame pelo WhatsApp e que o agendamento não poderia ocorrer presencialmente. “Enquanto eu conversava com a equipe, tentava o agendamento no chatbot, e ele não respondia. Consegui falar com o médico, expliquei toda a situação e fizemos o raio-x naquele dia. Mas só por conta da minha insistência”, relata o neto da aposentada.

O plano de saúde da aposentada Sônia Moreira, de 81 anos, exigiu marcação de exames e procedimentos via aplicativo. Por não estar acostumada a navegar no mundo digital, ela precisou de apoio do neto, Erick Maués, de 29 anos. Foto: ESTADAO

O resultado do exame mostrou necessidade de uma cirurgia, pois o processo de cicatrização não estava acontecendo de forma correta. Mais uma vez, foi Erick quem precisou tomar à frente e auxiliar na marcação do procedimento, já que isso precisava acontecer via chatbot. Mas até o jovem teve dificuldade. “Tentei agendar, mas só tinha vaga para o mês seguinte. Como explico a emergência da situação para um robô?”, questiona.

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A cirurgia foi realizada dois dias depois de Sônia ter sido levada ao pronto-atendimento do hospital da rede, onde os médicos constataram a urgência do procedimento. Mas a epopeia tecnológica não terminou. O agendamento das 10 sessões de fisioterapia para a recuperação completa do pulso também precisava acontecer pelo sistema remoto. Depois de uma manhã de tentativas, a filha da beneficiária conseguiu resolver a situação.

“Apesar do serviço ser voltado para idosos, o atendimento é virtual e minha avó não está acostumada com isso. É ela quem paga e utiliza o plano, mas depende de mim e da minha mãe para poder fazer os agendamentos”, relata Erick, o neto.

O funcionário público Adalmir de Castro, de 72 anos, está lidando com percalços parecidos para fazer uma ressonância magnética da próstata através da Pessoal Saúde, o seu convênio. Depois de uma consulta com o urologista no começo de julho, o médico solicitou o exame, que só pode ser realizado depois que o paciente apresentar a justificativa médica sobre a necessidade do procedimento, considerado de alta complexidade. Só que o documento deve ser enviado em formato de PDF por meio da opção “fale conosco” do aplicativo.

“Vou ter que ir até uma lan house e procurar alguém para fazer isso para mim, porque não tenho computador em casa. Se pudesse entregar esse documento pessoalmente, talvez fosse mais rápido”, comenta.

Direito de atendimento garantido

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A advogada Marina Paullelli, do Programa de Saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), explica que o idoso está amparado, de forma ampla, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que também se aplica aos planos de saúde, quanto pelo Estatuto do Idoso, e que isso lhe dá garantias quando há práticas abusivas pelas operadoras de saúde.

“O que as operadoras têm que garantir de forma geral, mas pensando sobretudo em quem tem mais de 60 anos, é uma diversificação nos canais de atendimento”, resume Marina. De acordo com ela, é importante que a empresa disponibilize, por exemplo, a opção de atendimento presencial ou linhas telefônicas com possibilidade de conversar com um funcionário, e não com um robô. Também é interessante que o beneficiário consiga escrever a sua demanda em uma plataforma que não seja totalmente robotizada.

A representante do Idec ainda salienta que todos os planos devem deixar à disposição de seus clientes, e de forma clara, o contato do serviço de atendimento ao consumidor (ou SAC) para que, assim, eles possam ter acesso a esclarecimentos. Aliás, ela lembra que, segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é um dever fornecer esse atendimento por meio de um atendente, e não de um robô ou inteligência artificial.

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“Se a operadora não der uma resposta satisfatória ou insistir na má conduta em outros momentos, o consumidor pode fazer uma reclamação no órgão de defesa do consumidor, como o Procon ou consumidor.gov, que é uma plataforma online. No caso de qualquer dificuldade de atendimento ou negativa de cobertura por conta de uma questão tecnológica forçada pela operadora, ele deve fazer uma reclamação na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, orienta a advogada.

A reportagem entrou em contato com as operadoras citadas na matéria e, até a conclusão do texto, não recebemos resposta do plano de saúde exclusivo para pessoas acima de 50 anos. Em nota, a Pessoal Saúde confirmou que os seus clientes têm a opção de agendamento remoto via aplicativo e informou a possibilidade de realizar esse tipo de atendimento presencialmente nas unidades de Mauá e São Bernardo do Campo.

Dicas para não ter dor de cabeça ao usar o plano

  • Confira se a operadora ainda disponibiliza guias físicos de clínicas e hospitais credenciados, com telefones e endereço para contato
  • Se não houver material impresso, peça apoio a um familiar para anotar os principais contatos ou até mesmo imprimir informações sobre a rede e os médicos credenciados
  • Evite passar qualquer tipo de dados pessoais a quem não seja de extrema confiança
  • Em caso de insistência do plano de saúde em não disponibilizar uma forma de contato alternativa, deve-se ligar para o SAC da empresa ou acionar o Procon da sua cidade. Em último caso, pode-se procurar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O número de contato da ANS é 0800 7019656

Para quem quer mais contato com o universo digital

  • Procure os recursos de acessibilidade dos smartphones e computadores para ampliar letras e aumentar brilho de tela em caso de problemas de visão ou outro tipo de dificuldade
  • Trace comparativos entre termos usados online com alguns conceitos do dia a dia. Por exemplo: pense em um site como o endereço de uma rua
  • Tenha paciência. O processo de aprendizado de algo novo leva tempo e cada um aprende de forma diferente. Não tenha vergonha de tirar dúvidas sobre o tema
  • Universidades públicas costumam ter programas de extensão voltados a ajudar idosos, como a Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI)
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