Ele tem uma academia onde treina idosos e pessoas com deficiência - e de graça

‘Meu único objetivo é fazer com que as pessoas se sintam vivas novamente’, conta o treinador físico Javeno Mclean, que acredita que todos devem ter a oportunidade de sentir o prazer do exercício físico

PUBLICIDADE

Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço

Ao sair da Jamaica para a Inglaterra aos 4 anos, Javeno Mclean se viu em um ambiente completamente diferente daquele com que estava acostumado. Mas, ao mesmo tempo, descobriu alguns amores pelo caminho. Como o críquete, esporte em que fez seu nome ao redor do mundo. “Críquete foi meu primeiro amor, mas não foi o meu amor verdadeiro”, conta o atleta.

PUBLICIDADE

O tal verdadeiro amor foi descoberto durante os treinos do esporte, quando Mclean preparava seus colegas de time. “Eu passei a perceber que me dava muito mais satisfação transformar e ajudar as pessoas a ser melhores. Não só fisicamente, mas psicologicamente. Meu coração estava em treiná-las”, diz. Hoje, ele tem uma academia inclusiva, que acolhe a todos, sem nenhum tipo de distinção.

“Eu não gosto da palavra academia, porque ela pode ser um lugar onde as pessoas se sentem intimidadas, sozinhas e julgadas. Por isso eu quis criar um lugar que mudasse essa definição”, declara o treinador Javeno Mclean. Há 15 anos, logo quando começou a trabalhar como treinador e preparador físico, ele teve o sonho de abrir um espaço dedicado à prática de exercícios para a comunidade. Em 2017, o sonho se tornou realidade na Rua Old Market, em Manchester, no Reino Unido.

”Eu abri um centro de saúde para todos. Não só para as mulheres com corpos de modelo ou para homens com barrigas trincadas. É para qualquer um”, afirma.

Para Mclean, exercícios físicos geram sentimentos, que todos devem sentir. “Um dos maiores mitos sobre exercícios é que eles são só sobre o que você pode ver. É o que você recebe daquilo: o sentimento de ser indestrutível, de poder, de confiança, o sentimento de ter valor, de ter um propósito na vida”, diz.

Com essa crença em mente, Mclean se voluntariou para treinar pessoas idosas, algumas como sua aluna Brenda Simpson, de 76 anos, que tem duas próteses no quadril e nunca tinha feito exercício físico. “As pessoas estão acostumadas a um certo padrão de como tratar pessoas idosas e com deficiência. Essas pessoas não são vistas, não são escutadas. As pessoas olham acima delas ou até para longe delas. Então sempre que alguém vem na minha academia eu falo: ‘Eu vejo você e vou fazer o meu melhor para te entender e ajudar’”, conta.

A ação virou um sucesso, levando o centro a se tornar um “santuário” para elas, assim como para pessoas com deficiência. Hoje, a maioria de seus alunos tem diagnóstico de demência, câncer, síndrome de Down ou de algum tipo de AVC. A eles, Mclean se dedica integralmente.

Publicidade

”Treino pessoas há 23 anos e nunca tirei um centavo de ninguém com deficiência ou na velhice. E isso nunca vai mudar”, afirma. “Vivemos em um mundo em que as pessoas falam, mas não fazem. Se eu vou ajudar alguém, da parte mais pura do meu coração, não há dinheiro que pague isso”, reforça ele, que cobra normalmente de pessoas sem deficiência. “Eu também preciso pagar minhas contas”, brinca.

'Quando essas pessoas entram na minha sala de aula, elas estão falando para mim: Essa é a minha vida, toma’. É por isso eu não posso falhar', conta Javeno Mclean Foto: EY3 Media

Exercício físico para felicidade

Apesar dos inúmeros benefícios do exercício físico para a mente e o corpo, ainda é difícil ver pessoas disciplinadas em uma rotina que não preze por mudanças corporais. “O mais comum é a pessoa querer mudar algo estético: glúteos, braço, barriga. Mas o meu único objetivo é fazer com que as pessoas se sintam vivas novamente.”

De certa forma, Javeno Mclean representa esperança – tanto para seus clientes quanto para seus familiares. “Meu maior presente é quando alguém vira para mim e fala ‘você me permitiu passar mais tempo com a minha mãe antes de ela morrer’, ‘se não fosse pelo trabalho que você fez com o meu pai, a gente o teria perdido 10 anos atrás’. Dinheiro nenhum no mundo compra isso”, declara ele.

Por isso, Mclean faz questão de que cada um de seus alunos tenha um momento incrível dentro do seu centro de saúde. “Claro que cada deficiência é diferente, mas não me importo com o que as pessoas não podem fazer. É o que eles podem que me interessa”, conta.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

”Quando essas pessoas entram na minha sala de aula, elas estão basicamente falando para mim: ‘Essa é a minha vida, toma. Meus últimos meses, eu quero passar com você’. É por isso que não posso falhar. Preciso dar mágica para aquela pessoa cada vez que ela entrar na minha academia.”

O convívio com os alunos fez com que Mclean desenvolvesse ainda mais o sentimento de gratidão. “Todos esses anos de trabalho me fizeram perceber o poder de ser resiliente e também aprender a lidar com o que a vida joga para você e a dar o seu melhor. Eles me ensinaram a ter gratidão pela vida”, explica. “Muito mais do que ajudá-los, são eles que me ajudam. Eu sou sortudo por eles me terem escolhido.”

Na Inglaterra, McLean já ajudou centenas de pessoas, mas com as redes sociais, a inspiração do treinador já rodou o mundo. Só no Instagram são mais de 220 mil pessoas acompanhando seu trabalho. “Qualquer um dos meus alunos podem entrar na página e ver milhares de comentários sobre como eles são fortes, como eles são lindos, como eles são incríveis”, conta ele que, diz receber diariamente mensagens de pessoas com deficiência, o agradecendo pela inspiração.

Publicidade

Segundo McLean, ele vende inspiração orgânica e verdadeira, de tal ponto que as pessoas possam sentir até pelas telas.”Quando você mostra para as pessoas que você se importa, você muda o mundo”, diz. E é essa mudança - tanto de perspectiva do próprio aluno consigo mesmo, quanto a mudança de olhar dos outros - é o seu orgulho. “Eu estou mudando a perspectiva das pessoas de como você deve tratar as pessoas com deficiência e aquelas mais velhas. Eu faço as pessoas pensarem fora da caixa. Isso me deixa orgulhoso.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.