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Enchentes no RS causam danos em 141 unidades de saúde: ‘Já estamos racionando oxigênio’, diz médica

Ao menos dez hospitais tiveram que ser evacuados por causa das inundações em municípios gaúchos e unidades ainda em operação têm dificuldade para receber insumos e medicamentos

Foto do author Fabiana Cambricoli
Foto do author Priscila Mengue
Foto do author Victória  Ribeiro
Por Fabiana Cambricoli , Priscila Mengue e Victória Ribeiro
Atualização:

As graves enchentes que atingem o Estado do Rio Grande do Sul provocaram danos totais ou parciais em 141 unidades de saúde, das quais dez hospitais tiveram que ser evacuados após serem invadidos pelas águas, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde. Em um deles, em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, três pacientes em estado grave morreram durante a operação de resgate. Nas unidades que seguem funcionando, os procedimentos eletivos (não urgentes) foram todos cancelados pelo risco de desabastecimento de insumos.

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“Já estamos racionando oxigênio. Eu achei que já tinha passado meu maior desafio pessoal e profissional com a pandemia de covid-19, mas agora estamos vivendo isso”, disse ao Estadão Ana Carolina Peçanha Antonio, médica intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Hospital Independência, também na capital gaúcha.

Ela conta que, com a maioria dos acessos à cidade bloqueados, o abastecimento é incerto e os profissionais foram orientados pelas unidades de saúde a economizar ao máximo os recursos para que os pacientes mais críticos não fiquem desassistidos.

“A gente reduz (o oxigênio) para o mínimo possível dentro do limite de segurança de cada paciente, com base no que prevê a literatura médica. Estamos também tentando evitar tratamentos que são menos econômicos em oxigênio, como o CNAF (Cateter Nasal de Alto Fluxo). O próprio cancelamento de procedimentos eletivos também ajuda na economia de oxigênio porque são pacientes que seriam anestesiados e entubados”, conta a especialista.

Outro drama dos hospitais é a irregularidade no abastecimento de água. Com parte das estações de tratamento inoperantes, as unidades de saúde têm sido abastecidas com caminhões-pipa. Profissionais da UTI estão tendo que repetir o uniforme por mais de um dia (que é geralmente descartado ao final do plantão) para economizar água da lavagem do vestuário.

Em todo o Estado, há registro de unidades prejudicadas pela invasão da água ou pelas consequências das enchentes, como o desabastecimento. Há escassez de medicamentos e alimentação para dietas especiais e preocupação especial com pacientes renais e oncológicos que enfrentam dificuldades de acesso aos locais onde realizam os tratamentos de hemodiálise e quimioterapia. Alguns estão sendo transportados por helicópteros.

Em algumas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), também faltou energia elétrica, o que levou à perda de insumos que precisam ser mantidos refrigerados, como vacinas.

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De acordo com a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul), os hospitais ainda estão “em processo de levantamento dos prejuízos”, mas um balanço preliminar da entidade aponta 20 hospitais severamente atingidos pelas enchentes no Estado.

“Os casos mais expressivos em termos de tamanho da estrutura e número de leitos atingidos são os Hospitais Mãe de Deus (Porto Alegre) e o Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC). Ambos seguem inoperantes”, destacou a entidade, em nota, sobre duas das maiores unidades de saúde que tiveram que ser evacuadas às pressas.

Hospital de Pronto Socorro de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, no sábado, 3. Prédio precisou ser evacuado Foto: Divulgação/HPSC

Ao Estadão, o diretor administrativo do Hospital de Pronto Socorro de Canoas, Marcelo Oliveira, contou que, na madrugada de sexta para sábado, 4, por volta das 4h30 da manhã, a equipe do hospital foi surpreendida pelo rompimento do reservatório de água do bairro Mathias Velho, onde a instituição está localizada.

A evacuação dos pacientes foi iniciada na própria madrugada, quando a água já havia atingido o nível das escadas e o hall do prédio, e foi finalizada no domingo, 5. Alguns pacientes precisaram ser transferidos de helicóptero para outras unidades de saúde. No total, havia 88 pessoas internadas, sendo 13 na UTI. Destes, três pacientes já em estado crítico morreram em meio à operação de transferência.

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“Como o hospital fica em uma região um pouco mais elevada, uma série de pessoas da cidade e vizinhos do hospital acabaram entrando no prédio pensando que estariam seguros. Então, somando com os pacientes e funcionários, nós éramos em torno de 400 pessoas, que também precisaram ser resgatadas”, declarou Oliveira.

A situação no Hospital Mãe de Deus, unidade privada em Porto Alegre, foi semelhante. Segundo o diretor médico, Euler Manenti, não demorou muito para que o hospital ficasse totalmente ilhado, impossibilitando tanto a saída quanto a entrada de pessoas. A transferência dos cerca de 300 pacientes foi realizada por meio de veículos do Exército no domingo, 5, quando a água já atingia a altura da cintura, comprometendo totalmente a parte elétrica da instituição, que realiza tratamentos de alta complexidade, como hemodiálise e quimioterapia.

Cerca de 300 pacientes foram transferidos do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, com o auxílio de veículos do Exército Foto: Fabio Brun
Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, foi atingido por alagamento e teve que ser evacuado Foto: Fabio Brun

“Hoje o hospital está cercado por água, sem luz, energia ou água, impossibilitando qualquer operação. Esta tarde (quarta-feira, 8), blindamos o primeiro andar com 300 sacos de areia para tentar proteger os equipamentos de última geração da inundação, que já atinge sete metros e não reduz, só aumenta”, afirmou Euler.

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Parte dos pacientes do Mãe de Deus foi transferida para outro hospital privado da capital gaúcha, o Moinhos de Vento. De acordo com a assessoria de imprensa da unidade, a ocupação do hospital na quarta-feira, 8, estava em 91%, com 43 pacientes aguardando leito na emergência (33 adultos e dez crianças).

Os estoques de insumos, diz o hospital, garantem o atendimento pela próxima semana, mas a unidade vem enfrentando outro drama: até quarta, 8, cem de seus colaboradores não têm como voltar para casa por causa das enchentes e estão abrigados na instituição, que montou um alojamento improvisado.

Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, montou alojamento provisório para cem funcionários que não conseguem voltar para suas casas por causa das enchentes Foto: Divulgação/

Hospital do interior gaúcho fica alagado pela terceira vez em oito meses

Enquanto alguns municípios gaúchos ainda não haviam vivenciado um evento climático com tamanha proporção, as recentes chuvas no Estado marcaram a terceira inundação em apenas oito meses para a cidade de Roque Sales, situada no interior e com pouco mais de 11 mil habitantes.

A cidade é uma das mais afetadas do Estado em termos de frequência das inundações. No entanto, as enchentes têm aumentado em escala e gravidade a cada ocorrência, conforme relatado por Raquel Oestreich, interventora do Hospital Roque Gonzales.

Como nas vezes anteriores, o hospital, que é o único na cidade, precisou realocar todos os seus pacientes. Segundo Raquel, a estrutura do prédio, que ainda estava sofrendo reparos devido às chuvas anteriores, foi novamente comprometida, afetando portas, paredes e vidraças.

Com a água atingindo 4 metros e alcançando os tetos dos primeiros andares, a transferência só pôde acontecer na quarta-feira, 8, necessitando que pacientes e funcionários passassem o dia anterior ilhados na instituição. O acesso, segundo Raquel, só era possível por meio de aeronaves, que não puderam operar devido à intensidade das chuvas.

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“Hoje em dia, uma única nuvem no céu já é motivo de pânico em Roque Sales. Sabemos que o ideal seria mudar o hospital para um local na cidade menos suscetível a inundações, mas também sabemos das burocracias que isso enfrenta. Enquanto isso, nossos pacientes vão continuar precisando de atendimento e estrutura, então o jeito é enfrentar”, lamentou Raquel.

Federação de hospitais pede ajuda emergencial

A Fehosul participou na terça-feira, 7, de encontro da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Serviços de Saúde, que teve a presença da ministra da Saúde, Nísia Trindade; da secretária da Saúde do Rio Grande do Sul, Arita Bermann, entre outras autoridades.

No encontro, foi solicitado um valor de custeio emergencial equivalente a seis meses de faturamento integral para os hospitais que trabalham com o SUS, além de auxílio futuro para a recuperação do mobiliário danificado nas unidades de saúde e repactuação de contratos de empréstimos e financiamentos.

Outras medidas discutidas no encontro, de acordo com a federação, foram a facilitação do envio de oxigênio, medicamentos e insumos; e a ampliação dos serviços e unidades de saúde mental para a população que perdeu familiares, amigos e bens como moradia.

Nesta quarta, 8, o Ministério da Saúde diz ter repassado R$ 63,1 milhões para o Rio Grande do Sul e os municípios gaúchos afetados pelas inundações. A pasta afirmou ainda estar com 83 profissionais da Força Nacional do SUS em atuação no Estado, todos com experiência em situações de emergência, como médicos e enfermeiros que atuam em unidades aéreas de salvamento.

Foi ainda autorizado pelo ministério o pagamento de cerca de R$ 540 milhões em emendas parlamentares e enviados 20 kits de emergência, compostos por 32 tipos de medicamentos e 16 tipos de insumos. Os materiais, de acordo com a pasta, são suficientes para atender, no total, 30 mil pessoas durante um mês.

Transferências são desafio

Com unidades fechadas pelo avanço das águas, escassez de insumos e parte das vias bloqueadas pela enchente, há maior necessidade de transferência de pacientes por aeronaves. No domingo, 5, uma menina de 13 anos precisou ser transportada para Santa Maria, em missão aeromédica das Forças Armadas em Cachoeira do Sul, pois estava com sangramento cerebral e o hospital local não tinha recursos de ventilação mecânica.

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Medida semelhante se repetiu para transportar três gestantes de alto risco que estavam no Hospital Universitário de Santa Maria, diante da superlotação da UTI Neonatal.

Na segunda-feira, 6, a Federação das Santas Casas e Hospitais Sem Fins Lucrativos do Rio Grande do Sul (Federação RS) divulgou um comunicado sobre a dificuldade na chegada de medicamentos e insumos hospitalares e orientou aos pacientes para entrar em contato antes de se deslocar a algum de seus espaços de saúde. “Muitos de nossos hospitais estão atendendo com restrições, priorizando urgências e emergências”, destacou.

Vinculada ao Ministério da Educação, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) apontou que precisou tomar “medidas emergenciais” para minimizar possíveis impactos e manter parte das atividades, visto que o abastecimento vinha de Porto Alegre e Canoas, duas das cidades mais atingidas no País.

Diante das dificuldades, o Hospital Universitário de Santa Maria precisou fazer uma força-tarefa para enviar alimentação especial por sonda para dois bebês que estão na UTI do Hospital Universitário de Rio Grande, onde também foi necessário instalar um novo gerador. Além disso, em Santa Maria, foi montado um abrigo para pacientes que tiveram alta e não tinham onde ficar.

Surtos de doenças preocupam médicos

Para além da situação emergencial dos hospitais, médicos gaúchos levantam preocupação para um provável aumento de casos de doenças como leptospirose e hepatite por causa do contato de parte da população com as águas contaminadas, além de uma possível alta de doenças respiratórias por causa das aglomerações em abrigos.

“A gente já tinha começado a ter uma alta de influenza (gripe), mas agora deve piorar. E tem também os casos de pessoas com doenças crônicas que terão dificuldade para seguir o tratamento e podem ter descompensações dos seus quadros”, diz a intensivista Ana Carolina.

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