'Hipertensos têm mais chances de complicações pela covid-19, e grande parte da população tem'

Fernando Bacal, diretor-científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia diz que coronavírus pode levar a infarto e acidente vascular cerebral

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Por Pablo Pereira
Atualização:
Ilustração do novo coronavírus (2019-nCoV), responsável pela doença covid-19 Foto: Reuters

A letalidade do coronavírus no Brasil está em torno de 5%. Mas Fernando Bacal, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia, destaca que o novo coronavírus mata não apenas por pneumonia, como muitos pensam. A doença covid-19 pode levar a enfarte, miocardite, trombose e a acidente vascular cerebral. Além disso, não está claro qual será o futuro quadro de sequelas, em relação a quem sobreviver. Por isso, valem medidas de isolamento social e uso de máscaras.

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Os primeiros estudos mostram que pessoas com problemas cardíacos e circulatórios têm sido vítimas graves da infecção pulmonar pelo SARS-Cov2. Há registro da qualidade de vida daqueles que conseguem sobreviver ao ciclo da doença? Os dados iniciais foram decorrentes dos estudos publicados pela China, em grandes revistas, como a The New England Journal of Medicine, com uma casuística de um mês atrás. Com mais ou menos 1,1 mil pacientes, mostrando que os pacientes que tinham comorbidades, como hipertensão, diabete, doença coronariana, doença ateroesclerótica, tinham mais chances de ter complicações com a covid-19, com eventos desfavoráveis. Esses dados precisam ser mais bem refinados porque a gente não tem os detalhes claros. Mas chama a nossa atenção que até hipertensão entrou nesse rol. E hipertensão grande parte da população tem. Falta ver se é hipertensão severa, ou não controlada. Esses dados ainda faltam. Sobre os pacientes convalescentes, ainda não temos os dados. E a gente vê que existem complicações cardiovasculares decorrentes da infecção pela covid-19: os pacientes podem ter miocardite, pericardite e arritmias, além de eventos trombóticos, incluindo enfarte e acidente vascular cerebral. Os dados ainda não estão claros. Mas principalmente o pulmão, disparadamente, é o problema maior, porque esse vírus tem uma ação grande no pulmão. Então, o que causa todo esse quadro geral são as internações por pneumonia e insuficiência respiratória. Os pacientes precisam ser assistidos com ventilação mecânica. Mas há uma quantidade pequena, 5% ou 10%, desses pacientes que pode precisar da ventilação.

E sobre as sequelas? Sabemos, pelos dados, que alguns pacientes evoluíram com fibroses no pulmão. Isso já aconteceu em outras viroses, na Sars e na Mers. No coração, saber quantas dessas miocardites ficaram com sequelas, a gente só saberá com o tempo, com exames que vão mostrar futuramente, a partir de ressonância magnética e exames mais acurados. O mesmo vale para pacientes que precisaram receber ECMO, que é o aparelho de suporte de vida para os pacientes que evoluem com deficiência respiratória grave e choque. Ainda não temos esses dados.

Nossa realidade no Brasil, o clima, a existência do Sistema Único de Saúde (SUS), enfim as características da realidade brasileira, podem mexer nessa taxa? Então, a gente sempre fala que nenhum sistema de saúde está preparado para uma pandemia. Mas o Brasil tem de favorável alguns pontos, como a temperatura, neste período do ano. No momento, esses dados ainda precisam ser checados. Mas temos outros pontos também. Primeiro, que nós conseguimos nos preparar. Hoje você consegue ver com antecedência de 15, 20 dias, um mês, o que está ocorrendo nos outros locais. E, com isso, tentar fazer uma previsão. Isso não aconteceu na Itália, por exemplo. Eles foram pegos de surpresa, com um sistema de saúde não preparado e com um volume grande de pacientes que vão ao hospital. Outra coisa: a gente costuma ver que eles vão ao hospital e demoram a sair. Parte deles fica internada e parte vai para a UTI, onde também demora até 15 dias, entubada, um tempo muito longo. Duas semanas é um tempo longo. Há uma quantidade pequena que sai com alta, mas muitos pacientes estão chegando. Então, no Brasil, conseguimos prever isso.

E teve o isolamento, iniciado em março. Sim. E conseguimos colocar precocemente o isolamento social, que ajudou. E preparamos os hospitais para receber essa demanda. Inicialmente os hospitais privados, porque eram os pacientes que vinham do exterior contaminados pelo coronavírus e que transmitiram a doença. Agora a doença já chegou ao sistema público. E hoje temos hospitais exclusivos para tratar disso, contratando pessoal. Mas numa pandemia sempre é difícil ter total controle. Se a gente tiver menos casos infectados e conseguir bloquear ou achatar a curva, como querem os médicos e epidemiologistas, a gente vai ter uma previsibilidade dos pacientes que chegam ao hospital e, então, conseguir dar assistência a todo mundo que procura o hospital.

Voltando ao vírus, ele ataca pulmão, mas ataca também o sistema circulatório, age direto nos vasos? Ele tem ação também fora dos pulmões? Tem, sim. Nos vasos e no coração. Parece que ele atua via alguns receptores. É assim que o vírus entra na célula. Ele infecta por receptores. Esses receptores são distribuídos em várias partes do corpo, no pulmão, no coração, e também nos vasos sanguíneos.

E quanto tempo será necessário para termos a vacina? Teremos para esta epidemia? Acho que não teremos. Se fosse observar o tempo certo para uma vacina, precisaríamos de um ano. Acho que vão encurtar esse tempo. Mas para esta epidemia, não teremos.

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Na Ásia, é comum vermos todo mundo com máscaras. Por que aqui não? Não é eficiente? É eficiente. Os estudos estão mostrando que isso inibe, diminui o contágio. Você se protege e protege o outro. Mas a máscara tem de ser bem manipulada. Não adianta você estar com a máscara e botar a mão nela. Quando você usa a máscara, você se protege, mas também pode contaminar a máscara. Para os países asiáticos, isso é rotina. Todo mundo usa.

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