O Ministério da Saúde suspendeu nesta quinta-feira, 29, uma nota técnica feita pela pasta com recomendações a respeito da realização de aborto para casos já previstos em lei. A publicação da nota havia gerado amplas críticas de parlamentares conservadores.
Na última quarta-feira, as Secretarias de Atenção Primária à Saúde (Saps) e de Atenção Especializada à Saúde (Saes) publicaram o documento para orientar serviços de saúde a respeito da realização da interrupção da gravidez já prevista em lei, como em casos de risco para a vida da mãe, estupro e fetos anencéfalos.
A nota revogada pelo governo refutava conceitos adotados em um documento anterior da pasta feito sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que dificultava o acesso ao aborto legal. Segundo o documento da gestão Bolsonaro, é preciso levar em conta a “viabilidade fetal” antes de proceder com o aborto legal. O conceito estabelecia que após 21 semanas e 6 dias “o abortamento toca a prematuridade e, portanto, alcança o limite da viabilidade fetal”. O Ministério da Saúde sob Lula afirmava, no entanto, que a métrica não tem respaldo nem na legislação e nem na ciência.
Com a revogação, a nota editada ainda no governo Bolsonaro continua valendo, mas está sob revisão da pasta.
No documento, o Ministério da Saúde deixa claro que a legislação atual no Brasil não estabelece prazo para que o aborto ocorra nesses casos, e afirma que não cabe aos serviços de saúde interpretar esse direito e fixar prazos. Diante disso, opositores do governo passaram a publicar conteúdos nas redes sociais afirmando que o Ministério da Saúde estaria legislando sobre o aborto. O documento, no entanto, cita pontos que já são previstos em lei.
“Destarte, se o legislador brasileiro ao permitir o aborto, nas hipóteses descritas no artigo 128 não impôs qualquer limite temporal para a sua realização, não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse direito, especialmente quando a própria literatura/ciência internacional não estabelece limite”, diz o documento.
A repercussão fez com que a ministra Nísia Trindade revogasse o texto. A pasta argumentou que o documento seria suspenso por não ter passado por todas as esferas necessárias no Ministério da Saúde nem pela consultoria jurídica do ministério.
O documento foi produzido após questionamentos no âmbito de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) para cobrar que a Corte determine ações que garantam o direito ao aborto legal. A ação, feita por entidades da sociedade civil, afirma que a falta de garantia a esse direito tem levado as mulheres a um segundo ciclo de violência.
Em um comunicado à imprensa, divulgado nesta tarde, o Ministério da Saúde afirmou que “posteriormente, esse tema que se refere a ADPF 989, do Supremo Tribunal Federal, será tratado pela ministra junto à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao STF”. A pasta disse, ainda, que Nísia Trindade tomou conhecimento da nota técnica apenas nesta quinta-feira, quando participava de um evento do lançamento da Casa de Governo Yanomami, em Boa Vista (RR).
Em janeiro do ano passado, no primeiro mês da nova gestão, o Ministério da Saúde revogou uma portaria da pasta que dificultava o direito de mulheres vítimas de estupro ao aborto. A medida suspendeu a regra instituída pelo governo Bolsonaro que obrigava os profissionais da saúde a comunicarem a polícia, mesmo sem o aval da mulher, casos de violência sexual que levaram à interrupção da gestação. Na época, especialistas no tema criticaram a norma da gestão bolsonarista por entender que a orientação poderia constranger as vítimas e fazer com que evitassem buscar o direito ao aborto.
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