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Perder urina não é normal e tem tratamento, alertam médicos; entenda a incontinência urinária

Cerca de 10 milhões de brasileiros apresentam algum grau do problema; conheça as principais causas e abordagens para acabar com os escapes de xixi

Por Victória Ribeiro

De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), cerca de 10 milhões de brasileiros apresentam algum grau de incontinência urinária, condição que atinge 45% das mulheres e 15% dos homens. Segundo a entidade, o número é próximo ao de pessoas com diabetes no país, mas uma boa parcela nunca foi atrás de tratamento, que pode envolver até cirurgia. “Fatores culturais e desinformação são alguns dos fatores que dificultam a busca pela ajuda médica”, avalia o urologista Cássio Riccetto, supervisor da Disciplina de Urologia Feminina da SBU.

Segundo pesquisa conduzida pela SBU e baseada nos dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do Ministério da Saúde, foram realizadas um total de 26.054 cirurgias para tratar a incontinência urinária entre 2019 e 2023. Dessas, 2.892 foram conduzidas por via abdominal e 23.162 por via vaginal. Essa quantidade equivale a 31,7 procedimentos por um milhão de habitantes, valor significativamente menor quando comparado às taxas de países como Estados Unidos e Reino Unido, que reportaram taxas de 571 e 400 cirurgias, respectivamente, por milhão de habitantes durante o mesmo período.

Incontinência urinária atinge 45% das mulheres e 15% dos homens. Foto: mraoraor/Adobe Stock

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“Por ser uma doença que afeta principalmente a qualidade de vida, em vez do tempo de vida propriamente dito, essa condição muitas vezes é colocada em segundo plano em comparação com doenças consideradas mais graves, como as oncológicas e cardiovasculares, que recebem uma prioridade maior no sistema de saúde público em geral”, reflete Riccetto, também membro da American Urological Association (AUA).

Segundo Bruno Benigno, urologista do Centro Especializado em Urologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, a perda de urina, mesmo em pequenas quantidades, não é normal em nenhuma idade, contrariando a crença equivocada de que pode ser parte natural do envelhecimento ou até mesmo pós-gestação.

Para conscientizar sobre a questão, a SBU promove, ao longo do mês de março, mais uma edição da campanha “Saia do Molhado”, enfatizando a importância de buscar tratamento para essa condição, muitas vezes negligenciada por meio do uso de medidas paliativas, como fraldas e absorventes.

Quais os tipos de incontinência urinária?

Segundo Benigno, que também é Membro da American Urological Association (AUA), a incontinência urinária se manifesta em três tipos predominantes.

O primeiro é a incontinência urinária de esforço, caracterizada pela fraqueza dos músculos do assoalho pélvico, incapazes de suportar a pressão gerada por atividades como tossir, espirrar e até mesmo mudar de posição. Essa condição, que representa 25,7% dos casos, pode variar de leve a grave e afeta tanto homens quanto mulheres, sendo mais prevalente neste último grupo, totalizando cerca de 70% dos diagnósticos.

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Em seguida, há a incontinência de urgência, identificada pela contração involuntária e súbita da bexiga. Esse tipo, com uma prevalência de 5,3%, pode ocorrer em indivíduos saudáveis, mas também está associado a condições neurológicas, cistites crônicas e uso de determinados medicamentos, como antidepressivos e para perda de peso.

Por fim, há a incontinência urinária mista, abrangendo 9,1% dos casos, que combina características dos dois tipos anteriores.

Quais os principais sintomas?

A incontinência urinária de esforço se caracteriza por uma perda pontual de urina, ocorrendo exclusivamente durante o esforço físico, como o próprio nome indica. Como explica Riccetto, “a bexiga tem a capacidade de conter entre 300 e 600 mililitros de urina, permitindo que uma pessoa sem incontinência urinária vá ao banheiro de quatro a cinco vezes por dia”.

Por outro lado, a incontinência urinária de urgência ocorre quando a pessoa experimenta um desejo súbito e incontrolável de urinar, levando-a a correr para o banheiro e, muitas vezes, perder urina no meio do caminho. Esse sintoma indica um mau funcionamento da bexiga, que passa a se contrair de forma desordenada e independente da vontade da pessoa.

Como destaca o especialista, “a incontinência urinária de urgência, embora menos comum que a de esforço, tem um impacto significativo na qualidade de vida, pois a pessoa não consegue evitar esses episódios imprevistos”.

Quais fatores estão por trás da incontinência urinária?

A idade, segundo Benigno, é um dos principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da incontinência urinária. Pessoas mais velhas, especialmente aquelas com mais de 60 anos, apresentam um risco aumentado, independentemente do sexo.

É que, de acordo com Riccetto, pessoas nessa faixa etária enfrentam uma diminuição na eficácia do mecanismo valvular localizado no canal da uretra. Isso ocorre devido ao enfraquecimento da musculatura e do tecido de colágeno que sustentam essa região – situação associada ao processo de envelhecimento.

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No que diz respeito à incontinência de urgência, essa tem a ver com o envelhecimento do sistema nervoso como um todo, o que resulta em um controle mais frágil da bexiga. Além disso, também há uma tendência de diminuição da capacidade da bexiga.

Nas mulheres, que representam 70% dos casos de incontinência urinária de esforço, a menopausa, a obesidade, o tabagismo e o sedentarismo são identificados como fatores de risco. “Embora no passado tenha existido uma associação entre múltiplas gestações e incontinência urinária, hoje reconhecemos que a gravidez não é o único fator, pois mulheres sem filhos também podem desenvolver o problema, especialmente se entrarem na menopausa antes dos 40 anos”, explica o especialista da SBU.

No caso específico da gestação, Riccetto conta que o parto normal pode expor o perímetro inferior do corpo ao estresse. Isso inclui o canal da urina e outros órgãos importantes. “Portanto, o parto vaginal precisa ser cuidadosamente conduzido para diminuir o risco de desenvolver incontinência urinária de esforço como consequência”, destaca o especialista.

Embora esse estresse não aconteça durante uma cesárea, é importante lembrar que a gravidez em si faz com que a musculatura do assoalho pélvico, que ajuda a sustentar a bexiga, sofra uma pressão diferenciada – afinal, há o crescimento do bebê e aumento de peso. Por isso, é possível encarar a incontinência urinária mesmo após esse tipo de parto.

No sexo masculino, as cirurgias de remoção da próstata para tratar o câncer aumentam em 90% as chances de desenvolver incontinência urinária, principalmente a de esforço. Cerca de 5 a 10% desses homens podem enfrentar algum grau de perda urinária como resultado. Além disso, eles também podem sofrer de incontinência urinária de urgência, associada a fatores como tabagismo, obesidade e uso de drogas ilícitas.

“Entre outros fatores que causam a incontinência estão diabetes, hiperplasia prostática benigna [que é o aumento da glândula prostática sem relação com câncer] e tratamentos oncológicos, como radioterapia. Cirurgias pélvicas, incluindo procedimentos de reconstrução, também são identificadas como causas potenciais da condição”, acrescentou Benigno.

A incontinência pode gerar outros tipos de problema?

Os principais riscos e consequências da incontinência urinária, como destacado por Benigno, são multifacetados e impactam significativamente a qualidade de vida das pessoas afetadas.

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O aspecto social é um dos mais evidentes, pois a condição pode levar ao isolamento social, reduzindo a confiança nas interações e causando dificuldades nos relacionamentos interpessoais. “Isso pode resultar em uma diminuição na qualidade de vida geral, com impactos até mesmo a vida sexual”, afirmou.

Além disso, o contato constante da pele com a urina pode levar a inflamações na região genital, aumentando ainda o risco de infecções urinárias recorrentes. “Essas complicações de saúde representam preocupações adicionais para aqueles que sofrem de incontinência urinária, exigindo cuidados extras e tratamento adequado”, frisa o especialista.

É possível prevenir os escapes de urina?

Sim, a incontinência urinária pode ser prevenida. De acordo com Riccetto, as formas variam de acordo com o sexo e outros fatores individuais.

Para as mulheres, é crucial receber uma boa assistência durante o parto e ao longo da gestação, evitando complicações que possam aumentar o risco de incontinência no futuro.

Além disso, é importante controlar o peso, uma vez que a obesidade pode afetar o mecanismo de incontinência de duas maneiras distintas.

Primeiramente, o excesso de peso exerce uma pressão adicional sobre o canal da urina, comprometendo sua capacidade de manter-se fechado corretamente. Em segundo lugar, pode levar à liberação de substâncias na corrente sanguínea que aumentam a excitabilidade da bexiga, resultando em contrações e sintomas de urgência urinária. “Este último efeito é particularmente comum em indivíduos com obesidade severa”, informa o urologista.

Prática regular de atividade física é uma das formas de prevenção da incontinência urinária. Foto: pressmaster/Adobe Stock

Outra medida preventiva é evitar situações que possam levar à tosse crônica, sendo o tabagismo a principal delas. “Tosse repetitiva pode exercer pressão adicional sobre o mecanismo de controle urinário, exacerbando a incontinência”, ensina.

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Além disso, à medida que as pessoas envelhecem, é essencial seguir investindo em hábitos saudáveis, incluindo a prática regular de atividade física de baixo impacto. O urologista alerta que exercícios de alto impacto, como os praticados no CrossFit, podem aumentar a pressão sobre o períneo e agravar a incontinência em indivíduos predispostos. Se quiser realizá-los, a dica é contar com orientação adequada de um profissional de educação física.

Quais as formas de tratamento?

Existem várias abordagens para o tratamento da incontinência urinária, que dependem de mudanças de estilo de vida a intervenções médicas mais invasivas, dependendo da gravidade e da causa do problema:

1. Mudanças de hábitos: isso inclui controlar a ingestão de líquidos ao longo do dia, urinar regularmente, parar de fumar, evitar o consumo de produtos com cafeína, tratar a prisão de ventre e adotar um estilo de vida mais ativo, abandonando o sedentarismo.

2. Medicamentos: principalmente para casos de bexiga hiperativa, podem ser prescritos medicamentos para ajudar a controlar os sintomas.

3. Exercícios para o assoalho pélvico: os exercícios de Kegel, por exemplo, são uma técnica comum que visa fortalecer os músculos do assoalho pélvico, melhorando, assim, o controle da bexiga.

4. Dispositivos médicos: isso pode incluir o uso de marcapassos implantados nas raízes nervosas, sondas intermitentes ou dispositivos de suporte uretral para ajudar no controle da bexiga.

5. Estimulação elétrica: este método envolve o uso de corrente elétrica para estimular os músculos do assoalho pélvico, o que pode melhorar o controle da bexiga em alguns casos.

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6. Toxina botulínica na bexiga: em situações em que medicamentos e fisioterapia não foram eficazes, a toxina botulínica pode ser injetada na parede da bexiga para ajudar a relaxá-la e reduzir as contrações involuntárias.

7. Cirurgia: em casos graves e persistentes de incontinência urinária, pode ser uma opção para corrigir problemas anatômicos, como o prolapso de órgãos pélvicos ou a incontinência de esforço.

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