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Por que crianças e adolescentes estão no fim da fila de testes e vacinas contra a covid-19?

Estudos clínicos priorizam grupos de maior risco para a doença; imunizantes mais avançados contra o novo coronavírus só começaram a ser testados em jovens recentemente

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Por Carla Menezes

Com a divulgação de resultados satisfatórios das vacinas contra a covid-19, governos ao redor do mundo começaram a planejar calendários e listar grupos prioritários para a imunização. No Reino Unido, que começou a vacinar a população na semana passada, idosos, profissionais de saúde e outros grupos vulneráveis são os primeiros da fila. O mesmo critério foi estabelecido no Canadá, que deve iniciar o processo nos próximos dias, e no Brasil, que ainda não tem data definida. Depois será a vez dos mais jovens, maiores de 16 anos. Mas e as crianças e adolescentes, quando serão vacinados? 

Crianças e adolescentes apresentam quadro normalmente leve da doença, na maioria das vezes assintomático; vacinas são pensadas para o grupo alvo que mais adoece Foto: Rebecca Naden/Reuters

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Para responder a essa pergunta, é preciso entender como uma vacina é pensada, diz Isabella Ballalai, médica pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Crianças e adolescentes apresentam quadro normalmente leve da doença, na maioria das vezes assintomático. As vacinas são pensadas para um grupo alvo que mais adoece, que mais morre, que mais transmite”. O objetivo, neste primeiro momento, é reduzir o número de hospitalizações e óbitos.

Por serem menos afetados pela covid-19, crianças e adolescentes só foram incluídos nos estudos clínicos das vacinas recentemente. O imunizante da Pfizer, que está sendo distribuído no Reino Unido, só começou a ser testado em voluntários de 12 a 15 anos em outubro e, por esse motivo, ainda não há dados suficientes sobre segurança e eficácia da vacina nesse grupo.

A empresa de biotecnologia Moderna, por trás de outra vacina contra a covid-19, anunciou nessa quinta-feira, 10, que iniciou os testes com participantes maiores de 12 e menores de 18 anos. A meta é conseguir vacinar a população dessa faixa etária antes do início do ano escolar nos Estados Unidos, em setembro de 2021. 

Os estudos clínicos da Coronavac, vacina desenvolvida pela farmacêutica Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, passaram a incluir cerca de 550 voluntários chineses de três a 17 anos no final de outubro. Os resultados preliminares da pesquisa com esse grupo devem sair em fevereiro. A empresa também espera concluir as análises até setembro do próximo ano.

Crianças têm resposta imunológica diferente dos adultos e, em alguns casos, precisam de mais doses de uma vacina Foto: Arquivo/Reuters

Ainda não há previsão para a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca ser testada amplamente em menores de 18 anos. Os pesquisadores chegaram a permitir a inclusão de algumas crianças nos estudos, mas ainda não há dados sobre esse grupo.

Segundo Isabella Ballalai, as crianças têm um sistema imunológico diferente dos adultos e, em alguns casos, precisam de mais doses de uma vacina para determinada doença. “Não dá para fazer por tabela. Vamos precisar de, no mínimo, esse tempo que a gente levou para chegar na vacina para os adultos.”

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Leia a entrevista completa a seguir: 

Por que crianças e adolescentes não foram incluídos inicialmente nos testes clínicos das vacinas mais avançadas contra a covid-19? 

É preciso entender como uma vacina é pensada. Crianças e adolescentes, principalmente as crianças, apresentam quadro normalmente leve, na maioria das vezes assintomático. Não são os grupos que estão morrendo de covid. Muito raramente uma vacina inclui todas as pessoas e todas as faixas etárias no seu estudo. As vacinas são pensadas para um grupo alvo que mais adoece, que mais morre, que mais transmite. A da meningite, por exemplo, foi licenciada primeiro para crianças porque são as que mais adoecem e mais morrem pela doença. Em uma situação como essa (da pandemia), em que a gente tinha que correr com a pesquisa, quanto mais grupos você incluísse, mais iria demorar. Precisamos fazer com uma rapidez que não é comum e garantir doses para as pessoas que se hospitalizam e morrem. As crianças e os adolescentes não foram negligenciados: isso faz parte do raciocínio de que primeiro a gente precisa diminuir hospitalizações e óbitos, que é o que vamos conseguir quando essas vacinas realmente estiverem sendo aplicadas no País.

Algumas vacinas já mostraram ser eficazes e seguras para outras faixas etárias. Por que não seria recomendado vacinar os mais jovens também? 

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Criança responde (a uma vacina) de forma diferente de um adulto. Temos que fazer pesquisa com elas. Por ter dado certo em um adulto, não podemos entender que vai dar certo para todo mundo. É muito provável que vai dar certo, mas a Ciência exige que a gente faça a pesquisa. Um detalhe, por exemplo: se você olhar o calendário da criança, ela toma três doses da vacina contra meningite. O adulto, quando se vacina, precisa de uma só. A criança responde de forma diferente imunologicamente, ela tem um sistema imune diferente do adulto. Normalmente a criança precisa de mais doses, não dá pra fazer por tabela. O fato de a gente concluir para o adulto não significa que vai servir para a criança.

Fora as vacinas da Pfizer e da Moderna, quais pesquisas mais avançadas incluíram crianças e adolescentes?

Sputnik V certamente não e Oxford/AstraZeneca não começou ainda. Tem outras que estão mais atrasadas que começaram a incluir, mas é algo inicial, não é para amanhã. Vamos precisar de, no mínimo, esse tempo que a gente levou para chegar na vacina para os adultos. Falta muito. De concreto, não temos nada de peso para as crianças ainda.

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Com a vacinação de adultos e idosos, as crianças e os adolescentes ficarão mais protegidos?

A gente não espera isso com a vacina. Isso tem que ficar muito claro para as pessoas. As vacinas protegem o indivíduo. Essas pessoas que serão vacinadas terão uma chance muito menor de se infectar, mas o resultado mais importante que a gente tem é que essa vacina vai evitar hospitalizações e óbitos. Vai evitar a forma grave da doença. Essas pessoas vacinadas ainda podem se infectar e transmitir o vírus. Ainda não temos dados para falar em proteção coletiva. É importante que as pessoas entendam que mesmo quem for vacinado vai ter que continuar usando máscara e fazendo distanciamento social. 

Qual porcentagem da população precisaria ser vacinada para atingir a proteção coletiva? 

Quando falamos da vacina para o sarampo, por exemplo, a gente precisa que 95% da população esteja vacinada para que a doença seja eliminada. Para a covid-19, ainda não conhecemos esse dado, não sabemos a porcentagem da população que precisaria ser vacinada. A gente não tem ainda o dado que diz que as pessoas vacinadas não vão mais transmitir. Isso tudo vai continuar sendo acompanhado. Nós vamos continuar aprendendo. Neste momento, a gente precisa iniciar a vacinação para que as pessoas parem de morrer de covid-19. 

Então vamos continuar precisando de máscaras e distanciamento social por um bom tempo?

É, 2021 não vai ser um ano igual a 2019. A gente espera que seja um ano melhor que 2020, sem ter pessoas morrendo como temos hoje, sem a questão da hospitalização, mas não vai ser um ano sem covid. Nós não nos livraremos das máscaras, do distanciamento social e nem do vírus. Vamos comemorar sim (a vacina), mas as pessoas estão acostumadas a ver uma vacina sumindo com uma doença, é isso que a gente tem de realidade. Mas na covid ainda não é isso. Um dia será.

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