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Skate como terapia: conheça projeto que usa o esporte para melhorar a saúde e combater o preconceito

Projeto SkateAnima ajuda jovens com paralisia cerebral a praticar o esporte por meio de fisioterapia e motivação interna de autonomia e superação

Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço

Idas a médicos, fisioterapeutas ou dentistas dificilmente são animadoras. Seja para acompanhar suspeitas de doenças, preocupações com alguns sintomas ou exames de check-up, a visita é no máximo mediana. No entanto, em Porto Alegre, a estudante Naiumy dos Reis, de 19 anos, contava os dias para os encontros semanais com o fisioterapeuta neurofuncional Stevan de Melo Pinto.

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Diagnosticada com paralisia cerebral e tetraparesia espástica, que afeta a fonação e a coordenação motora, Naiumy frequenta salas de fisioterapia desde os 11 meses. Mas desde 2015 as práticas foram um pouco mais radicais. “Eu adoro skate. Gosto da adrenalina que ele traz”, conta ela, que se declara fã da Rayssa Leal, a fadinha, e tem o quarto decorado com shapes autografados.

Quando soube que Stevan era skatista havia mais de 30 anos, ela pediu para que suas sessões fossem em cima da prancha com rodas em vez da tradicional maca. Assim, o andador, recurso que ela utilizava para treino de marcha (caminhada) em terapia, foi adaptado e ajustado para possibilitar a prática de skate.

Para a primeira experiência, escolheram a rampa da Instituição Studio Neuro, em que Stevan trabalha. “Quando eu vi, foi um misto de surpresa com medo, afinal o skate é um esporte radical. E fiquei com muito receio de que ela pudesse se machucar, mas quando descia a rampa, você via a felicidade dela. E isso, como mãe, foi muito gratificante”, conta a neuropsicopedagoga Roberta dos Reis, mãe de Naiumy.

Além da felicidade, sua evolução na fisioterapia começou a ser ainda maior. “O skate repercutiu como encorajamento para sua evolução de desempenho em atividades de vida diária, independência e autonomia. Ela obteve significativa melhora de desempenho e harmonia da marcha com uso do andador, está conseguindo executar as tarefas em casa mais rapidamente, usa o transporte coletivo”, conta Stevan.

Antes, Naiumy praticava com os membros presos, mas, com a prática e os exercícios fisioterapêuticos associados, hoje ela anda sem adaptações e até consegue “embalar” o skate no próprio ritmo, ou seja dar a partida. “Agora meu objetivo é conseguir fazer o flip (manobra na qual o skate gira 360º no próprio eixo)”, afirma.

Junto a isso, soma-se o fato de que Naiumy tinha 12 anos na época e a cultura skatista, que preza por parcerias e trabalho em equipe, a ajudou em autonomia, autoconfiança, autoimagem e até sociabilidade. “Foi muito importante me sentir parte da comunidade do skate e ser acolhida. Todo mundo torce por nós de uma forma incrível”, comenta.

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De acordo com Stevan, o skate é um esporte que se diferencia dos outros por não ter um espírito muito competitivo, mas sim de união. “O espírito acolhedor é natural do skatista, que acolhe pessoas de qualquer condição financeira, condição social, raça, gênero, sem discriminação. O importante é estar se divertindo, é vibrar pelo outro”, explica.

Percebendo os benefícios que a prática trouxe para Naiumy, Stevan decidiu criar o SkateAnima, um projeto que visa introduzir o skate na vida de pessoas com deficiência, de maneira motivacional e educadora.

“Eu ficava muito insatisfeito ao ver uma determinada evolução motora ou conquista dentro da clínica de fisioterapia que não via chegar dentro de casa ou em outros ambientes. E o SkateAnima foi uma oportunidade de convocar os meus pacientes para ocupar um espaço público, para viver a inclusão de fato”, avalia Stevan.

Roberta, pensa como o professor da filha. “Para mim é muito gratificante chegar a um lugar e ver o tanto que ela é acolhida. Às vezes, a pessoa não a conhece, mas a vê fazendo manobras e vibra por ela. Isso acontece com muita frequência. A gente está falando da inclusão e isso é algo pelo que a gente luta há muitos anos.”

Terapia Radical

O projeto começou nas grandes avenidas de Porto Alegre, durante os fins de semana com poucas pessoas, mas hoje já tocou a vida de mais de mil pessoas com deficiência, e tem equipes na Região Sul do Brasil, mas também em São Paulo, com o fisioterapeuta e skatista Rodrigo Bonadio como representante. “Parece muito, mas ainda é bem pouco. Queremos muito mais”, conta Stevan Pinto.

A atmosfera amigável do skate faz com que os alunos vibrem uns pelos outro Foto: Werther Santana/Estadão

Para ele, ficou comprovado que a motivação tinha um aspecto fundamental na terapia. “É preciso entender a singularidade daquele sujeito e trazer aquilo de que ele gosta para dentro da terapia”, conta. “O convite às pessoas com deficiência para praticar o esporte sempre veio unido a uma ideia predeterminada de qual esporte essa pessoa deveria praticar. Eu mesmo testemunhei a ideia equivocada de que o cadeirante deveria praticar basquete ou esgrima, por exemplo. O skate vem para quebrar esse paradigma, mostrando que é possível praticar um esporte radical, que o cadeirante pode praticar um esporte em pé e tem autonomia para executar manobras.”

A dificuldade na movimentação nunca foi impeditivo para Renan Prasido, de 20 anos, diagnosticado com paralisia cerebral, que anda de skate desde os 8 anos. “É um momento em que todas as pessoas se igualam, não há diferença nenhuma. É andar de skate e só isso, não tem a deficiência antes”, conta ele. Sua mãe, Gisele, explica que a paixão começou quando Renan viu seu primo andar de skate e pediu um de presente para os pais. “A gente deu e ele encontrou uma estratégia sozinho para conseguir andar. Basta o andador e o skate.”

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Assim, quando soube do projeto de Stevan, Renan passou a participar dos encontros e até a ajudar o pessoal mais iniciante. “Eu sou muito bom, sei fazer manobras e ajudo a empurrar os outros andadores”, conta ele, orgulhoso de si mesmo. “Eu me sinto bem sendo visto como skatista. É uma sensação ‘uau’.”

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